Filme de abertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Wasp Network tem seu foco nos personagens
Levar para as telas uma grande obra literária é uma tarefa, muitas vezes, ingrata. Se o livro adaptado tiver sua construção baseada em muitas pesquisas e dados, a jornada para contar uma boa história sem deixar de centralizar o espectador dos acontecimentos que a percorrem ganha uma dose extra de dificuldade. Wasp Network, novo longa do diretor francês Olivier Assayas (de Personal Shopper), que abre a programação da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é inspirado no livro Os últimos Soldados da Guerra Fria, escrito pelo jornalista Fernando Morais, uma verdadeira aula de como transformar uma reportagem complexa em uma leitura hipnotizante.
Mas Assayas, apesar de ter sido apresentado ao trabalho de Morais por meio de Rodrigo Teixeira, produtor do filme, optou por não fazer dos dados e números a base de seu longa, mesmo com um material riquíssimo em mãos. Na trama, a criação da Rede Vespa por Cuba, onde 14 espiões (12 homens e duas mulheres) infiltram-se nos Estados Unidos para investigar organização anticastristas no estado da Flórida, é o pano de fundo para que o público acompanhe a jornada de René González (Édgar Ramírez de American Crime Story), piloto que deixa a esposa, Olga (Penélope Cruz) e a filha para cumprir sua missão de espião.
O roteiro dá atenção especial para esse núcleo familiar de Gonzáles, mas também acompanha Juan Pablo Roque (Wagner Moura, de Narcos), que torna-se uma celebridade em Miami por ter nadado da cidade de Camanera, em Cuba, até a base militar americana localizada na Baía de Guantánamo, Gerardo Hernandez (Gael Garcia Bernal, de Ensaio Sobre a Cegueira) e o poderoso Jose Basulto (Leonardo Sbaraglia, de Neve Negra). O que com um elenco medíocre talvez só aumentasse a confusão de tantos personagens agindo ao mesmo tempo, com as escolhas de Assayas tornam-se um bálsamo, em especial nos momentos em que cada personagem ganha a atenção da câmera para apresentar uma nova face de seus planos.
A escolha por atores latinos também é um trunfo, com direito ao argentino Sbaraglia interpretando com perfeição o sotaque cubano, enquanto o venezuelano Ramírez toma conta da tela, mostrando-se à vontade ao interpretar em seu próprio idioma. E são os atores que salvam os pecados do filme, que residem na montagem e, como consequência, no ritmo da história. As constantes mudanças de espaço e tempo de Wasp Network, indicadas por créditos gigantes, ajudam a orientar quem assiste, mas quebram uma atmosfera de envolvimento com cada núcleo, algo que é reforçado pelas transições que lembram muito os artifícios novelísticos bem brasileiros. Seria uma alusão à década de 90, período em que o longa se passa? Dúvidas à parte, o excesso de explicações e as ações divididas em blocos bem marcados faz com que as pouco mais de duas horas de projeção sejam sentidas com certo cansaço.
Mulheres destacadas
Mesmo tendo passado por um novo processo de montagem após sua exibição no Festival de Veneza, Wasp Network teve poucas alterações, quase todas elas, segundo o próprio Assayas durante a entrevista coletiva em São Paulo, visando ajustes sobre o conteúdo político do filme, para tornar mais dinâmica a entrada de novas informações. O que se percebe é que o filme ainda sofre com as grandes passagens de tempo, o que inclusive impede um envolvimento maior de quem assiste com as trajetórias de Gonzáles, Olga, Basulto e Hernandez. Isso só não acontece em maior escala por conta da força das interpretações.
Penélope Cruz e Ana de Armas, que interpreta a esposa cubana-americana de Roque, estão quase na posição de participações especiais, mas ainda assim conseguem imprimir de forma poderosa as duas principais mulheres do filme. Diferentes entre si, elas reforçam a lista de Assayas e suas boas conduções de atrizes, algo que já podia ser notado em trabalhos anteriores. Sem data de estreia nacional definida, Wasp Network abre a programação da Mostra de São Paulo reforçando a ideia de filmes com DNA brasileiro, apesar de rodados em outros países, conforme informou Renata de Almeida, diretora do festival, durante a coletiva de lançamento. Assayas parece mesmo ser um diretor do mundo, nada apegado as suas raízes, mas completamente apaixonado pelas histórias que quer contar, não importando o idioma ou o conflito presente nelas.
Mesmo que, cinematograficamente, Wasp Network deixe a desejar, não se pode deixar de lado a sua importância num momento como o que estamos vivendo, com exílios e opressão política não escolhendo hora para começarem e colocarem em risco nossas vidas e nossa arte. E o que não falta nesse longa é força na luta pela pátria. Se certa ou errada, companheiros, aí é assistir para descobrir.
A mostra de cinema de São Paulo segue até o dia 30 de outubro em vários cinemas da capital paulista. Acesse o site da mostra e confira a programação completa.