Pioneiros da literatura fantástica brasileira que você precisa conhecer
Quando falamos de marcos da Ficção Científica (FC) na esfera literária, algumas obras, escritoras e escritores já são bem conhecidos: Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), da jovem inglesa Mary Shelley é a obra que inaugura esta vertente da Literatura Fantástica.
Se Mary Shelley é, então, a Mãe da Ficção Científica, a segunda metade do século dezenove revelou seus dois Pais: o francês Júlio Verne com suas Viagens Extraordinárias e os Romances Científicos do inglês H. G. Wells. Foi com esses dois escritores que a ficção científica se tornou um gênero literário específico, identificado por uma sequência de obras que compartilhavam características estruturais em comum.
O último marco nos momentos iniciais da FC ocorreu na América nas primeiras décadas do século vinte nas diversas revistas pulp do período, com destaque para a Amazing Stories, do editor Hugo Gernsback, onde o próprio termo nasceu, ainda na forma primária na palavra “scientifiction”, utilizado pela primeira vez na edição de abril de 1926, em um comentário do editor sobre o romance A cotovia do espaço, de E. E. Smith. Já o nome “Science Fiction”, como conhecemos hoje, apareceu primeiro na edição de Julho de 1929 da Science Wonder Stories.
Mas, e no Brasil?
Ao contrário do que muitos podem imaginar, a ficção científica brasileira começa a se manifestar ainda no século dezenove de forma muito isolada com O Doutor Benignus (1875), de Emílio Zaluar. Mas é durante a Primeira República (1889-1930) que esta expressão da Literatura Fantástica começa a se manifestar de forma mais regular, ainda que não consistente e com obras influentes que a poderiam instituí-la como um gênero.
Destaque neste período para escritores que capturaram o temor e desconfiança das transformações urbanas e tecnológicas do início do século vinte na Belle Époque carioca, gerando narrativas onde a Ciência e o Progresso assumiam um caráter semelhante ao sobrenatural de histórias de fantasmas.
Essas narrativas, que se alinham com o que o escritor e crítico Bráulio Tavares chamou de “Ciência Gótica”, se concentraram entre os anos de 1900 a 1920 e foram representadas nos contos, romances e crônicas de escritores como Coelho Neto e João do Rio.
Já em um segundo momento, no período do entre guerras, a ficção científica brasileira vai refletir o debate, também vigente na Europa, sobre a formação das nações, com foco na constituição do povo. Foi aqui que surgiram romances distópicos marcados pelo pensamento eugenista, como A Amazônia misteriosa (1925), de Gastão Cruls, O Presidente Negro, ou o choque das raças (1925), de Monteiro Lobato e Sua Excia. a Presidente da República no ano 2500 (1929), de Adalzira Bittencourt. Todo esse período é chamado pelo escritor e crítico Roberto de Sousa Causo como “Período Pioneiro” da ficção científica brasileira.
O surgimento de uma sequencia de obras por parte de um escritor brasileiro revelando o início de um maior interesse pela FC no Brasil, ocorreu a partir da segunda metade da década de quarenta até o fim dos anos da década ocorreu com Jeronymo Monteiro, não a toa considerado o “Pai da FC Brasileira”. Obras como Três meses no século 81 (1947), A Cidade Perdida (1948) e Fuga para parte alguma (1961) indicavam que a ficção científica brasileira estava também buscando inspiração na ficção científica norte-americana.
A obra de Monteiro é considerada a porta de entrada para uma fase da FC nacional identificada por ondas específicas, formadas por gerações de escritores e escritoras que compartilham temas, propostas e influências. Essa nomeação das ondas surgiu na publicação norte-americana Cosmos Latinos: An Anthology of Science Fiction from Latin America and Spain (2003), editada por Andrea L. Bell e Yolanda Molina-Gavilán, mas já havia sido apontada na Tese de Doutorado do norte-americano David Lincoln Dunbar de título Unique Motifs in Brazilian Science Fiction (1976).
A Primeira Onda da ficção científica brasileira se estabeleceu entre os anos sessenta até fins dos setenta, e foi o momento de surgimento de obras vinculadas a FC de escritores e escritoras como Andre Carneiro, Dinah Silveira de Queiroz, Rubens Scavone e Fausto Cunha. Esse grupo também ficaria conhecido como a “Geração GRD”, em homenagem ao apoio dado pelo editor Gumercindo da Rocha Dórea a esse corpo de artistas dentro da sua editora.Em linhas gerais, a Primeira Onda foi marcada por abordagens narrativas humanistas sem a preocupação com a plausibilidade científica que caracterizava a FC norte-americana da época.
A Segunda Onda da ficção científica brasileira tem início nos anos oitenta e prosseguiu até o início do novo século. Ela trouxe como identificadores a busca de formação de uma cultura de leitores, escritores e escritoras articulados ao redor de grupos e fanzines variados, além de contar com espaço em poucas publicações no Brasil sobre o gênero como a Isaac Asimov Magazine, publicada pela Editora Record.
Representada por nomes como Simone Saueressig, Jorge Luiz Calife, Gerson Lodi-Ribeiro, Roberto de Sousa Causo e Fábio Fernandes a Segunda Onda foi marcada pela influência do cyberpunk sobre a ficção científica brasileira e o desequilíbrio entre a utilização da tradição norte-americana com abordagens nacionais.
Por fim, a ficção científica brasileira encontra sua voz atual na Terceira Onda, tendo as redes sociais como principais agentes de produção, publicação e divulgação da produção nacional. É por meio de blogs e aplicativos que vem sendo construído o público leitor e mantido o feedback entre quem escreve e lê, novas formas de publicação (financiamento coletivo) e divulgação (redes Facebook e Youtube) também abriram espaços antes restritos a editoras e revistas.
Quanto ao perfil e abordagem, observa-se um crescente número de escritoras e a variedade de temas e gêneros, com a frequente subversão das fronteiras com outras expressões do fantástico, como a Fantasia e o Horror e a ascensão de novos gêneros e subgêneros como o New Weird, o steampunk e o Afrofuturismo.
Além de nomes oriundos da Segunda Onda, destaque para nomes como Jean Gabriel Álamo, Lídia Zuin, Lu Ain-Zaila, Ana Cristina Rodrigues, Walter Cavalcanti Costa, A. Z. Cordenonsi, Ursulla Mackenzie e Enéias Tavares.
Com base nesse breve panorama, e apesar de já possuir uma história de mais de um século, fica o convite para que o brasileiro conheça esse admirável mundo (ainda) novo da ficção científica nacional.
REFERÊNCIAS
BELL, Andrea L., MOLINA-GAVILÁN, Yolanda. (Eds.). Cosmos Latinos: An Anthology of Science Fiction from Latin America and Spain. Middleton, CT: Wesleyan University Press, 2003.
CAUSO, Roberto de Souza. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil: 1875-1950. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
CAUSO, Roberto de Souza. Ondas na praia de um mundo sombrio: New Wave e Cyberpunk no Brasil. 2013. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/sPb9vZ>. Acesso em: 02 março 2019.
CLUTE, John. Science Fiction: The Illustrated Encyclopedia. London: Dorling Kindersley, 1995.
CUNHA, Fausto. A ficção científica no Brasil. In: ALLEN, L. David. No mundo da ficção científica. Trad. Antonio Alexandre Faccioli e Gregório Pelegi Toloy. São Paulo: Summus Editorial, 1974.
DUNBAR, David Lincoln. Unique Motifs in Brazilian Science Fiction. 1976. Dissertation (Doctor of Philosophy) – The University of Arizona, Arizona, 1976. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10150/289377>. Acesso em: 02 março 2019.
MATANGRANO, Bruno Anselmi & TAVARES, Enéias. Fantástico brasileiro: O insólito literário do Romantismo ao Fantasismo. Curitiba, PR: Arte & Letras, 2018.
ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: Do preconceito à conquista das massas. Trad. Mário Molina. São Paulo: Seoman, 2018.
SILVA, Alexander Meireles da. O admirável mundo novo da República Velha: O nascimento da ficção científica brasileira no começo do século XX. 2008. Tese (Doutorado em Literatura Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: < https://goo.gl/Au75GN >. Acesso em: 02 março 2019.
TAVARES, Bráulio (Org.) Páginas de sombra: contos fantásticos brasileiros. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003.