Filme se mostra relevante como tema social e como cinema
Hoje, além do bullying físico e psicológico que vemos nas escolas, ocorre também – por causa das incontáveis redes sociais – o cyberbullying, no qual a vitima sofre pressão psicológica por algo íntimo que vazou na internet. As pessoas acabam julgando sem ter noção das consequências que esse comportamento pode provocar. Aliás, consequência é a palavra que define o principal mote de Ferrugem, novo trabalho do diretor Aly Muritiba (confira a crítica de Para Minha Amada Morta).
A protagonista é Tati (Tiffany Dopke), uma adolescente comum que tem a sua vida transformada em um inferno após o vazamento, de maneira misteriosa, de um vídeo dela fazendo sexo com o ex-namorado . As consequências são severas, com a menina sendo perseguida por conta dessa ação. Paralelo a isso, ela tenta conversar com Renet (Giovanni De Lorenzi), que estuda na mesma escola e é o principal suspeito de ter vazado o vídeo.
O roteiro, assinado pelo diretor e por Jessica Candal, é coeso e coerente. Ele é muito objetivo quanto à abordagem do tema e se mostra competente na composição dos personagens e nas suas ações. São adolescentes que tomam decisões que refletem sua imaturidade, mostrando isso não como se fosse um elemento a ser julgado, mas como uma característica da fase da vida pela qual estão passando. Mas como o longa é feito em cima das consequências, em momento algum o roteiro passa a mão na cabeça dos responsáveis, relatando como eles estão com a consciência pesada ou o profundo arrependimento pelo que fizeram.
Aliás, Ferrugem faz uma dobradinha importante com o também ótimo Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor. Se o longa da diretora levanta a questão se não estamos sendo conservadores em relação às crianças, o filme de Muritiba se mostra mais atual ao falar sobre o comportamento dos adolescentes em meio a evolução da tecnologia. O fato de que tudo tem que ser postado (só notar a primeira cena que mostra a turma de alunos inteira no celular durante uma excursão) e de como os pais estão ficando mais distantes dos filhos por conta dessa nova realidade, são temas que Ferrugem discute de maneira adulta. Isso sem soar panfletário, porque a própria sinopse cria a situação para que seja aberto o debate.
Medo da sociedade: criando um clima opressivo.
Se Muritiba é inteligente no roteiro, o mesmo pode ser dito na direção. Além da abordagem direta, o diretor parece feliz em criar um clima de suspense que sufoca o espectador, principalmente na primeira parte. A câmera acompanha Tati sempre no centro do quadro, sofrendo algum tipo de agressividade. seja física ou mesmo alguma troca de olhares e risadas. Para isso, se tem um ótimo trabalho de desenho de som. Quanto mais as pessoas se acumulam no caminho da protagonista, mais alto ficam o som e as palavras, criando um clima assustador. O mesmo ocorre com o uso do silêncio, que se mostra um agende julgador que deixa a atmosfera mais pesada. Mesmo assim, há alguns erros na mixagem, pois em algumas cenas fica difícil compreender o que os personagens falam.
Visualmente, o longa é muito rico e com um trabalho excelente de mise-en-scène . Se no começo vemos uma festa de adolescentes com cores quentes, ao longo do filme elas vão se tornando mais frias. Sempre há algum elemento na tela que observa os personagens (câmera, quadros ou mesmos janelas) e os personagens vão se mostrando cada vez mais distantes durante a projeção. É uma gramática simples, mas que funciona muito bem graças à direção de arte de Tiago Marques Teixeira e da excelente fotografia do eclético Rui Poças (Deserto, Zama, As Boas Maneiras) que tem se mostrado um dos fotógrafos mais interessantes da atualidade.
As atuações são muito boas, principalmente dos jovens atores. Mesmo a novata Tyfany Dopke mostrando alguns problemas com diálogos – que soam um pouco travados, às vezes – compensa com a força do olhar. Conseguimos perceber por meio dele como a sua vida está acabando, o que mostra que é uma atriz que merece ser acompanhada de perto e que pode melhorar com o tempo. Já Giovanni De Lorenzi apresenta um amadurecimento maior. A sua composição como o introspectivo Renet é muito acima da média. Por ser uma pessoa fechada com os outros, o espectador acaba percebendo todos os sentimentos que estão corroendo o jovem. É um grande trabalho.
Mas nem tudo são flores em Ferrugem. Mesmo desenvolvendo o seu tema de forma madura e tecnicamente muito competente, o filme de Muritiba perde por demonstrar certa frieza durante a projeção. Isso ocorre porque nos envolvemos mais com a situação do que com os personagens e esse problema se dá por conta da estrutura do longa, que é dividida em duas partes. Uma focada em Tati e a segunda em Renet, sendo que a primeira se mostra muito curta e a segunda se estende mais do que deveria.
Mesmo não sendo perfeito, nada apaga a relevância de Ferrugem. Como cinema e como tema.