Minimalismo consciente e honesto na HQ Sob o Solo
Minimalismo, experimentalismo, e outros “ismos” são termos frequentemente corrompidos nas artes. Isso porque existem artistas que se valem destes conceitos para justificarem determinadas escolhas duvidosas, como se o selo em questão os colocasse acima de qualquer questionamento. Felizmente, ainda existem aqueles que sabem o que estão fazendo, como Bianca Pinheiro e Greg Stella no surpreendente Sob o Solo, publicado pela editora Pipoca & Nanquim*.
*(Confira as resenhas de O Preço da Desonra e A Luz Que Fenece)
Com personagens que são pouco mais do que bonecos de palito, o casal de autores mostra uma dupla de soldados que se refugia em um bunker durante uma guerra, após um ataque que os isola dos companheiros. Com um deles ferido gravemente, a urgência de conseguir ajuda pelo rádio aumenta de forma assustadora. A partir daí, desenrola-se uma narrativa que se presta a cativar pelo peso da situação, criando uma alegoria com várias possibilidades de interpretação.
A começar pelo seu título e pela situação literal, Sob o Solo alude àquilo que guardamos – ou escondemos – dentro de nós, bem fundo. Simplesmente por se tratar de verdades inconvenientes, que emergem durante um momento específico. No caso destes personagens, é preciso reforçar a fé em uma causa, anulando quaisquer dúvidas sobre a validade de seus atos ou de seus companheiros, além das motivações do comando. Espertamente, o roteiro não entrega nada sobre esse conflito ou seu contexto, convidando o público a uma experiência mais participativa.
Assim, dúvidas e fragilidades revelam-se no interior deste bunker, que também é o interior dos personagens, provocando os leitores a traduzir essa alegoria de acordo com suas próprias visões. A identificação é facilitada pela simplicidade da arte, que é um receptáculo perfeito para nossa imaginação. Mesmo assim, existem quebras no conjunto que aparecem como um lembrete da seriedade da situação.
Não se engane pelos clichês
Ainda que não se ocupe da guerra em si, Sob o Solo flerta com clichês comuns deste tipo de história. Alguns podem lembrar facilmente de muitos filmes que usaram o mesmo recurso narrativo, mas a ferramenta não soa como tapa-buraco dramático. Evitando os spoilers, detalhes como esse servem muito bem à trama, impulsionando essa jornada intimista e reveladora.
Quando chega o desfecho, a sensação é que existe uma mensagem poderosa ali. Se Bianca e Greg já foram bem sucedidos em nos imergir nesta trama puramente conceitual, a finalização traz a inevitável reflexão sobre os nossos próprios bunkers, com terrores particulares, mas , ainda assim, tão estranhamente similares ao que eles mostraram.
Fora isso, ainda prestam um grande favor como representantes de uma arte que ainda é mal vista em alguns círculos, além de pouco compreendida até entre seus admiradores. Abrindo mão de um refinamento visual e privilegiando uma ideia pura e arquetipicamente sólida, eles desmistificam a primazia do desenho dentro do conceito de Histórias em Quadrinhos.
Não bastando as já citadas qualidades de Sob o Solo, esse potencial de explodir as cabeças de aspirantes a quadrinhistas, além de inspirá-los, já é motivo mais do que suficiente para que seja lido. E relido. E recomendado.