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O Preço da Desonra – Quanto vale uma vida?

Um lado pouco nobre dos samurais é explorado em O Preço da Desonra

Clássico incontestável dos gekigás (mangás voltados para o público adulto), O Preço da Desonra: Kubidai Hikiukenin é fruto do talento do lendário Hiroshi Hirata. Graças à edição da editora Pipoca & Nanquim, o autor, referência no segmento, é finalmente publicado no Brasil. Para os interessados na cultura japonesa, longe da mitificação que a figura do samurai normalmente é revestida, é uma oportunidade e tanto para entrar em contato com alguns detalhes mais sórdidos deste mundo à parte.

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Resenha de O Preço da Desonra

Mesmo para os mais versados em História, falar em samurais já evoca, quase que automaticamente, conceitos como honra, lealdade, estoicismo e uma disposição sobrenatural ao sacrifício. Hirata criou as narrativas que compõem essa edição no início da década de 1970, disposto a explorar um detalhe menos glorioso ou conhecido – no Ocidente, pelo menos – deste recorte histórico específico. No caso, a prática de oferecer dinheiro a um oponente no campo de batalha, em troca de ter sua vida poupada.

As “promissórias de vida” tinham valor negociável, seladas com a marca em sangue da palma da mão do devedor em qualquer papel ou tecido disponível no momento. Parece absolutamente incompatível com o arquétipo desses guerreiros, o que fazia com que muitos deles retornassem à rotina e, simplesmente, ignorassem o fato que lhes traria vergonha. Mas os negócios inacabados sempre voltam à tona em algum momento, criando os incidentes explorados pelo autor.

Dividido em seis capítulos, O Preço da Desonra tem em seu segmento inicial, chamado “Promissória de Vida”, todo esse pano de fundo estabelecido. Apesar da disposição iconoclasta, Hirata é sutil na composição geral da trama, preocupado em retratar ambiguidades e evitar maniqueísmos, mas sempre enfatizando as consequências desagradáveis de uma mentira, omissão ou dissimulação.

Resenha de O Preço da Desonra

A partir do segundo capítulo, entra em cena um personagem regular, o tomador Hanshiro. Cobrador terceirizado de promissórias de vida, o habilidoso ronin tem a tarefa de encontrar os devedores e, caso a dívida não seja paga no valor combinado, levar a cabeça do indivíduo. À primeira vista, um personagem-clichê, inabalável tanto em seu compromisso quanto em sua destreza, mas existe bem mais por trás desta temível figura.

Apesar do peso de realidade de todos esses pequenos contos, Hanshiro, conceitualmente falando, ganha leves contornos sobrenaturais ao cruzar o caminho desses desonrados. Afinal, ele é a representação física de um temor arraigado, cujo tempo trouxe a ilusão de que um problema poderia ser esquecido. Não apenas isso, sua presença afeta um equilíbrio ilusório em volta dessas pessoas, revelando mais camadas desagradáveis da sociedade em questão.

O chapéu, nunca revelando totalmente sua face, reforça essa aura, mas nem por isso ele se torna unidimensional. Existe o espaço para o questionamento e a dúvida, assim como devidas cobranças extras orientadas por um peculiar senso de justiça.

O equilíbrio perfeito entre jidaigeki e chanbara

Usando agora termos mais comuns no cinema japonês, jidaigeki designa o drama de época, enquanto chanbara é a nomenclatura para obras com foco nas lutas com espadas. O Preço da Desonra investe forte na reconstituição do período, nos desdobramentos deste ambiente tão diverso ao resto do mundo e, evidentemente, nas dificuldades de pessoas menos favorecidas sujeitas a esses costumes. Logo, ele se encaixa perfeitamente no primeiro termo. Porém, quem procura a ação dinâmica da segunda denominação, também é brindado com sequências violentamente belas, sem que essa característica ofusque seu texto.

Resenha de O Preço da Desonra

A arte de Hiroshi Hirata, assim com sua narrativa visual, segue um estilo tradicional do gekigá, ganhando reforço com algumas páginas com tons de cinza. A excelência do artista pode ser comprovada na análise da construção de cenas mais movimentadas, com violência gráfica e ilustrações de página inteira, mas existe muito mais em momentos menos agitados. A expressão facial de um pai com coração partido ou de uma esposa desesperada para proteger o marido são fundamentais para a experiência, criando empatia em situações inimagináveis para nós.

Mais do que indicado para os que já conhecem, e adoram, Lobo Solitário e Vagabond, O Preço da Desonra é uma obra com uma voz muito particular. Além do extremo cuidado na reconstituição histórica, é perceptível o empenho de um autor que buscou imprimir ali um discurso. A união de seu talento com essa entrega deu origem a uma obra inesquecível.

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