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Scott Pilgrim contra o Mundo – Ainda manda bem!

A grande aventura de Scott Pilgrim continua extremamente divertida

15 anos? Já faz 15 anos que Scott Pilgrim contra o Mundo começou a ser publicado? Pelos deuses, este colunista está ficando velho num ritmo alarmante…

Deixando de lado as lamentações e o doce abraço da morte que se aproxima, existem poucas coisas tão gostosas quanto dar uma revisada em um clássico indie e perceber que ele ainda está à altura da diversão da primeira vez em que foi lido. Poderíamos imaginar que as aventuras de Scott Pilgrim talvez fizessem mais sentido quando éramos mais garotos, e que, depois de mais velhos, pareceria um tanto bobo. Mas não. Deliberadamente ou não, o autor Brian Lee O´Malley acabou criando uma aventura que ainda ressona muito bem com experiências divertidas de vida que muitos de nós tivemos, de um jeito que ainda é dinâmico e envolvente.

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Scott Pilgrim

Aparentemente, a grande aventura do desleixado de 20 e tantos anos de Toronto e suas poucas ambições na vida continuam tão atraentes como sempre. A trama você provavelmente já deve conhecer, mas vale uma breve retomada: Scott Pilgrim é um sujeito não muito brilhante de 23 anos, que divide um pico em Toronto com seu camarada Wallace Wells. Como dissemos no início do parágrafo, Scott não tem muitas ambições nem é exatamente pró-ativo – ele se contenta com um trampo meia-boca que paga as contas, tem como hobby ser baixista numa banda de rock chamada Sex Bob-omb e, pra desgosto geral, namora uma menina de 17 anos chamada Knives Chau – que realmente não está na mesma página que ele no relacionamento.

Tudo vai bem, de forma até um pouco maçante, quando uma tempestade chamada Ramona Flowers aparece na cidade. Bela, inquietante e misteriosa, ela é aquela garota que proporciona a Scott o tipo de experiência que nós, homens mais… ahm… experientes, já passamos e conhecemos muito bem: a mera visão dela frita os poucos miolinhos de Scott, transformando sua capacidade cognitiva em mingau e tornando-o fisicamente incapaz de se comportar como um ser humano digno de atenção. Para a felicidade de Scott – e de outros tapados como este colunista – algumas garotas acham isso “fofo”. E nosso protagonista agora tem a atenção da menina mais bonita da cidade.

Mas O´Malley faz questão de ensinar ao seu protagonista que, quando tudo parece bom demais para ser verdade, é porque provavelmente não é. E é claro que uma garota bonita, interessante, ligeiramente mais velha e totalmente descolada não viria sem uma bagagem. O problema todo é que a bagagem de Ramona é meio grande e ligeiramente psicótica: sete ex-namorado(a)s, que parecem dispostos a não deixar Ramona curtir sua vida e seus relacionamentos em paz. Para poder ficar com Ramona, portanto, Scott tem que dar cabo desses malas.

Óbvio que, se fosse apenas uma descrição sobre um relacionamento adolescente, Scott Pilgrim poderia cair numa vala comum, mesmo que ainda fosse bem feito. Mas o que torna essa aventura divertidíssima é sua estética e proposta conceitual. Abusando sem piedade de elementos non-sense durante a narrativa, O´Malley cria uma dinâmica metalinguística meio surreal, onde essa aventura, que no fundo é tão cotidiana, é representada de maneira similar a um game clássico ou uma ficção científica, ou ambos.

Scott Pilgrim

Felizmente, feita antes dos youtubers

Ex-namorados aparecendo de portais sub-espaciais, armas digitais de poder empunhadas como objetos reais, inimigos se desfazendo em moedinhas quando são derrotados. Suspendendo qualquer tipo de aspecto crível, o autor abusa da imaginação e do seu conhecimento de linguagem tanto dos quadrinhos quanto dos games, para criar um amálgama de características únicas, cuja estética e diagramação não obedece nenhuma convenção que não sirva para criar uma série de momentos que flutuam entre o épico, o divertido e o banal. É quase como se Samuel Beckett tivesse nascido nos anos noventa, e quisesse basear seu conceito de obra “maior-que-a-vida” em games e quadrinhos.

E, falando nos anos 90, a narrativa toda envolve também porque é uma grande piada com o modo de vida de jovens e adolescentes sem muitas preocupações. Flertes bissexuais, veganismo da boca pra fora, bandas de rock indie, pessoas meio fúteis que vivem por e para os seus gadgets… Se Scott Pilgrim tivesse sido escrita 5 anos mais tarde, tenha certeza de que algum panaca ali no meio seria um youtuber descoladão de cabelo ridiculamente tingido.

Mas no meio desses clichês das gerações X, Y e Z, O´Malley esconde algumas reflexões minimalistas, mas preciosas: a frugalidade das relações interpessoais, a falta de objetivo e propósito das gerações mais jovens, a banalidade e cinismo como tratamos certos temas contemporâneos, como o auto-conhecimento emocional, por não querermos lidar com a responsabilidade que isso acarreta (a metáfora/sacada do “NegaScott” é de um brilhantismo ímpar).

Scott Pilgrim

Debaixo das camadas de absurdos camusianos estético/digitais dos três volumes (conforme lançado aqui pela Quadrinhos na Cia.) da HQ, o autor posicionou cuidadosamente uma porção de elementos que tornam a narrativa, embora não atemporal, bastante relacionável .

Lidar com os excessos de um relacionamento que você acredita ser o ideal (o que não existe), com as consequências de tomar decisões pelos sentimentos dos outros (nunca dá certo), com o fato de que, antes de entendermos nosso lugar como amigos e parceiros, precisamos nos entender com a gente  mesmo (quase nunca fazemos). No fundo, essa é a história de Scott Pilgrim: um cara que finalmente entende que, não importa se cedo ou tarde, uma hora temos que amadurecer. e que esse processo envolve confiar em pessoas que amamos de formas diferentes.

O título Scott Pilgrim contra o Mundo – posteriormente – entendemos como o que realmente significa: no fogo da juventude, acreditamos estar o tempo todo lutando contra tudo e contra todos. Mas, conforme o protagonista aprende, nem tudo precisa ser levado à ferro e fogo; nem todo relacionamento precisa ser o ideal, nem todas as nossas decisões são as decisões certas e é necessário aprender a cuidarmos de nós mesmos antes de cuidarmos dos outros.

No fundo, somos nós quem escolhemos o level do jogo da nossa vida. É só que muitos de nós são meio tapados, e decidem jogar no hard o tempo todo.

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