Uma justíssima homenagem a Jayme Cortez em Fronteiras do Além
Difícil falar de Quadrinhos no Brasil sem lembrar de Jayme Cortez (1926 – 1987), que não apenas encantou – e ainda encanta – leitores com realizações gráficas de porte, além de também inspirar as gerações seguintes de artistas. Também descobriu e incentivou talentos, dando impulso à carreira do mais bem-sucedido quadrinista do nosso país: Mauricio de Sousa. Sua trajetória profissional e sua atuação no gênero do Terror são celebrados no belíssimo álbum do Pipoca & Nanquim, Fronteiras do Além.
Projeto do admirador e pesquisador Fabio Moraes, Fronteiras do Além conta com textos que cobrem a vida de Cortez, que saiu de Lisboa e desembarcou no Brasil em 1947. Não encontrou o mercado de Quadrinhos que esperava, mas isso não o impediu de atuar com sucesso nesta mídia, além da ilustração em geral, onde se destacou da mesma forma em outro recorte desta jornada. Mas esses casos e depoimentos de pessoas mais ou menos próximas são um bônus, pois o que importa mesmo é que temos aqui todas as HQ’s de Terror que ele produziu, restauradas e em uma edição graficamente caprichada.
É chover no molhado falar sobre a arte de Jayme Cortez. A sofisticação que ele imprimiu em contos de Terror gótico e as múltiplas técnicas empregadas criaram imagens deslumbrantes, planejadas cuidadosamente dentro dos seus propósitos narrativos. Fronteiras do Além é, entre outras qualidades, um show de texturas e chiaroscuro, além de uma aula de expressividade no traço e fluidez.
É fascinante ter acesso a peças como O Retrato do Mal, de 1963, que ganhou uma versão estendida uma década depois. A comparação não atesta só a evolução técnica, mas o aprimoramento de um pensamento gráfico, o que fica ainda mais óbvio com os textos explicativos no final.
Evidentemente, o volume encanta mais pelo visual do que pelos roteiros, mas isso não o desmerece. Ainda assim, existem peculiaridades nestas histórias que chamam atenção e provam a versatilidade e disposição do autor. É surpreendente encontrar elementos tão díspares quanto Vicente Celestino, Luiz Gonzaga e Ozzy Osbourne na mesma coletânea dedicada a um só quadrinista, e isso só não será melhor detalhado aqui para não estragar o prazer da descoberta.
A grande fase do Quadrinho Nacional de Terror
A febre dos Quadrinhos de Terror no Brasil, que teve uma movimentada produção local e revelou outros grandes talentos, como Rodolfo Zalla e Julio Shimamoto, é um momento singular. Difícil de acreditar que aconteceu, quando pensamos em cenários mais recentes, mas é um legado que merece sempre a lembrança e a homenagem de alguma forma. E a trajetória de Jayme Cortez está associada diretamente a esse ciclo.
Leitores mais curiosos também terão acesso a informações sobre o meticuloso processo de trabalho, materiais, uso de referências e narrativa visual. Para muitos, uma ótima oportunidade de aprender sobre a produção muito tempo antes dos recursos digitais. São detalhes que enriquecem muito esse conjunto, que já valeria a pena somente com as histórias.
O espetáculo é complementado por uma galeria de capas para publicações de editoras variadas, assim como trabalhos para o Cinema. Neste último caso, o envolvimento com o gênero foi mais longe, ilustrando cartazes de filmes de Terror de fora, mas também para o grande Zé do Caixão.
A missão de Fronteiras do Além foi cumprida com êxito. Uma excelente homenagem a uma das maiores figuras da Nona Arte no Brasil e além. Indicado não apenas aos fanáticos por arte sequencial e a fãs de narrativas góticas, mas também por quem quiser se aprofundar na nossa história editorial, apreciando ótimos trabalhos no meio do caminho. Como se não bastasse tudo isso, também chega a ser inspirador ler essas HQ’s sabendo em qual contexto foram produzidas.