A linha entre crendice, superstição e vida real é a proposta de O Mundo de Lore
A criação de Aaron Mahnke é um sucesso, sem dúvida. Inicialmente um experimento de marketing, o podcast Lore surgiu em 2015 e estourou em pouquíssimo tempo, aproveitando a prestígio que esta mídia tem nos EUA. Premiado naquele mesmo ano e hoje somando cerca de 5 milhões de ouvintes, o programa conseguiu a proeza de transcender seu meio original. Virou série, atualmente no catálogo do Amazon Prime, e livro, cujo primeiro volume já chegou ao Brasil pela DarkSide, batizado como O Mundo de Lore: Criaturas Estranhas (The World of Lore, Volume 1: Monstrous Creatures).
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O termo “lore” designa um conjunto de mitos, lendas e histórias de tradição oral dentro de um determinado grupo. Não por acaso, a nossa palavra “folclore” vem da junção dele com “folk”(povo). Um significado bem abrangente, na verdade, mas o que Mahnke buscou especificamente nesta empreitada foi além de apenas apresentar esses contos locais. Na verdade, tratam-se de casos em que isso transbordou para o cotidiano de pessoas comuns, dando origem a alguns eventos morbidamente interessantes.
Já deixando claro que não se trata de afirmar ou insinuar a existência de criaturas sobrenaturais ou extraterrestres entre nós, O Mundo de Lore tem sua coletânea em um formato que lembra histórias de acampamento. Existem ocorrências sem explicação? Claro que sim, mas o autor, de uma forma bastante descontraída, se limita a repassar o que encontrou em sua pesquisa, com um pequena dose de ironia sensacionalista que deixa tudo mais divertido.
Quem já conhece o seriado, com suas reconstituições básicas dos fatos, sabe o que esperar. Neste caso, seria redundante ler o livro? Não mesmo, pois aqui temos um espaço maior para a investigação do insólito, sem a limitação do tempo e sem a necessidade de mostrar. Isso deixa bastante espaço para a mente dos leitores divagar e especular, enquanto descobre coisas até então desconhecidas. Muitos vão perguntar-se como nunca ouviram falar de alguns casos descritos ali.
Alguns leitores, em uma primeira olhada, podem imaginar algo semelhante aos alienígenas do History Channel, mas não há nada assim. Mahnke contextualiza o pano de fundo folclórico antes de entrar em cada caso, muitas vezes especulando o motivo de tal lenda/mito manter seu apelo através dos tempos. Feitas essas apresentações, ele nos mostra como a vida real é, às vezes, tão bizarra quanto a ficção mais fantástica, com as duas existindo em simbiose.
O Terror do mundo real
Mesmo cientes da inexistência de criaturas malignas que batem cartão na literatura de horror, este volume de O Mundo de Lore traz exemplos de como a presença delas no inconsciente coletivo afeta uma comunidade. O caso de Mercy Brown é emblemático, já que o cadáver da moça foi exumado sob suspeita de vampirismo, em 1892, e fez parte de um pânico coletivo de vampiros que atingiu em cheio a Nova Inglaterra. Um caso clássico de lendas trazidas de outro continente por imigrantes, que acabam sedimentadas no novo território.
O temor por essas criaturas também gerou alguns auto proclamados caçadores de vampiros profissionais, como já havia acontecido com as bruxas. Antes que você pense em um contexto medieval ou pouco posterior, o relato de Aaron Mahnke fala de pessoas se apresentando assim na segunda metade do século XX! A coleção de tipos relacionados no livro é vasta, incluindo zumbis caribenhos em casos que ganharam destaque na mídia da época, mas continuam mal explicados e seguem alimentando nossa imaginação.
Maldições, gremlins (não os do filme de Joe Dante, mas os duendes que vivem para danificar aeronaves), lobisomens, canibais e muitos outros eventos são comentados no livro. É certo que algumas histórias ali podem irritar os mais céticos, mas não há a afirmação de nada no texto, a não ser a própria predisposição humana para encontrar explicações. Ainda que algumas sejam completamente absurdas, há quem prefira isso a nada, o que acaba engrossando o caldo desta discussão.
Por tudo isso, O Mundo de Lore: Criaturas Estranhas é uma leitura, no mínimo, interessante. Os mais cabeçudos e curiosos devem lê-lo com um bloco de anotações à mão, pois não faltam dados a se pesquisar depois. Seja para conferir as informações ou para se aprofundar no assunto, o que importa é que a diversão acaba indo além das páginas do livro. Além de tudo, essa é uma obra que você pode saborear aos poucos, digerindo devagar um capítulo por vez e sem pressa de retomá-la.
Uma pequena ressalva sobre a escrita de Aaron Mahnke é que ele se torna um tanto repetitivo nas conclusões. Essa é uma impressão que pode ser minimizada, dependendo da velocidade com a qual o lemos, mas não deixa de ser um detalhe a se observar. De qualquer maneira, um saldo mais do que positivo no final, empolgante não apenas aos fãs de literatura fantástica ou de horror, mas para curiosos em geral. Só nos resta esperar pelos próximos volumes.
Ah, se você achou tudo isso atraente de alguma forma, confira Lore, a série, se ainda não o fez.