M. R. Terci mescla narrativa militar com terror brasileiro de verdade
O apelo inerente às narrativas militares, principalmente aquelas que contam com um grupo que age nas sombras, é curioso. Publicado pela Pandorga, Imperiais de Gran Abuelo, quinto livro de M. R. Terci e primeiro volume das Crônicas de Pólvora e Sangue, já tem vantagem na largada por isso, mas traz diferenciais na trama geral que valorizam muito o conjunto. Por exemplo, a ambientação de época, cerca de dez anos após a Guerra do Paraguai, e o forte elemento sobrenatural, fazendo a alegria dos leitores que procuram um terror brasileiro de qualidade.
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Sabe aqueles clichês que você já viu muito, porém ainda animam bastante quando bem utilizados? A camaradagem entre o grupo, formado pelos mais endurecidos combatentes que existem, a lealdade ao líder – sempre alguém com um senso de moral inabalável – e por aí segue. Neste caso, a embalagem também ajuda bastante. O Brasil de Dom Pedro II, com sua configuração peculiar, pouco comum em obras de ficção, dá um ar interessantíssimo e (por que não?) instrutivo, já que Terci sentiu-se à vontade para usar figuras reais em sua narrativa.
Falando em pessoas reais, Manuel Luís Osório, o Marquês de Herval, é personagem de suma importância aqui. Tanto que o Gran Abuelo do título, vertido para o português como “Vovozão”, é o próprio. Militar de carreira e herói da Guerra do Paraguai, sua trajetória de caserna o marcou na História como “O Legendário” e patrono da Cavalaria do Exército Brasileiro. O autor colocou Osório como líder de um grupo conhecido como Legião de Malditos, pela natureza de algumas ameaças insólitas que enfrentavam.
Quando a história começa, o Vovozão já está morto, sucedido no comando da equipe. Imperiais de Gran Abuelo é narrado em primeira pessoa pelo fictício Amadeu Carabenieri, cujo sobrenome já indica uma bela propensão guerreira. Tão respeitado quanto o falecido, o tenente é chamado Papá pelos subalternos, mas a inspiração que os faz seguir em frente é a memória de Osório. A morte não impede que sua presença permaneça entre eles, um sentimento dos soldados que é facilmente sentido pelo leitor.
Nas primeiras páginas, acompanhamos o grupo transportando caixão do líder, em direção à capela de Santo Nicolau, em Tebraria, na província de São Paulo. O local abriga a cripta de sua viúva e a intenção desta travessia é quebrar uma maldição. O evento serve como prólogo, deixando bastante claro qual é a proposta e a natureza desta história. Logo de cara, uma ameaça sobrenatural e uma dose cavalar de ação nos preparam para a jornada. Quem aceita seguir em frente, não tem do que reclamar depois neste sentido.
A partir deste primeiro obstáculo, começamos a descobrir gradualmente que existe um mal muito maior, desencadeado durante o conflito entre a Tríplice Aliança e o ditador paraguaio Solano López. Cabe ao grupo deter a ameaça que tem origem nas tradições negras da brujeria, encontrando pelo caminho personagens e situações que enriquecem o pano de fundo histórico da aventura sobrenatural.
Muita ação entre relatos que misturam realidade e fantasia
Já é um mérito a coragem de investir em um cenário como esse. Ainda que a esmagadora maioria do público alvo de livros como esse ignore, a História e o folclore brasileiro são fontes inesgotáveis de material para qualquer autor. É uma forma, inclusive, de despertar a curiosidade, não apenas dos mais jovens, para o que nós temos aqui mesmo. Imperiais de Gran Abuelo, mais do que um mero terror brasileiro com aventura, estimula qualquer um a pausar a leitura entre um ou outro capitulo para pesquisar sobre o que leu, separando o que é invenção do que é fato.
Porém, os que não estiverem dispostos a esse exercício não vão se frustrar, pois a função principal da obra é outra. No quesito entretenimento, ela cumpre muito bem sua função, mantendo-se movimentada até o confronto final. Viradas dramáticas acontecem e o autor tem a destreza necessária para que elas não soem gratuitas ou telegrafadas. Com pouco mais de 200 páginas na versão impressa, é uma leitura rápida que convida seus leitores a imaginar as sequências de ação como um filme carregado de violência gore.
Apesar do fluxo frenético de acontecimentos, a única ressalva fica por conta de alguns solavancos que interferem na cadência narrativa. O ritmo é um pouco prejudicado na estrutura dos relatos do nosso protagonista, quando precisa descrever eventos do passado para nos dar mais detalhes sobre ele mesmo e seu mentor. São momentos em que a sequência pegou um embalo que já envolveu o leitor. Quando interrompe e volta, é como se fosse um carro que parou e vai sair novamente, acelerando aos poucos até retomar a mesma velocidade.
Pequenos deslizes à parte, Imperiais de Gran Abuelo é mais um ponto a favor da boa Literatura Fantástica Nacional, junto a outras obras bacanas como Livraria Limítrofe e Sussurros da Boca do Monte. A satisfação é garantida, com aquele orgulho por tratar-se de uma obra genuinamente brasileira. Não apenas nos faz torcer por mais empreitadas de outros escritores com inspirações similares, mas também deixa, no mínimo, a curiosidade sobre o que mais M. R. Terci terá a mostrar ao seu público. A expectativa é bem positiva.