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Branca dos Mortos e os Sete Zumbis – Quando a infância encontra o horror!

Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e outros contos macabros é um livro morno, mas contém ótimos momentos

Escrito por Fábio Yabu e lançado pela Globo Livros com edições em 2013 e 2015, Branca dos Mortos e os Sete Zumbis busca conservar a experiência catártica das histórias originais, porém com elementos mais atuais de terror, horror, sexo, drama e malícia.

Compre clicando na imagemResenha de Branca dos Mortos e os Sete Zumbis

 

Este livro não contém sinopse, sendo focado em diversos contos que se entrelaçam entre si nos detalhes. São estes:

  • Branca dos mortos e os sete zumbis
  • João, Maria e os Outros
  • Os três lobinhos
  • A vendedora de fósforos e o vingador
  • Cindehella e o sapatinho infernal
  • A confissão
  • Bela Incorrupta
  • O Monstro
  • O Cemitério
  • Samarapunzel
  • O fim de quase todas as coisas
  • O livro da dor

Antes de mais nada, uma rápida explicação sobre os principais autores que o livro bebe da fonte: Jacob e Wilhelm Grimm fizeram, no século XIX, o trabalho de reunir contos orais de uma Alemanha separada por questões políticas e intervenções de outros países. Eles revisaram estas histórias com inserções religiosas e educativas, assim, trazendo-as para um público infantil. Já Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, do mesmo período dos Irmãos Grimm, que escreveu contos infantis, porém com um tom que flertava com o soturno.

Posto os nomes destes três autores, é importante citar que o livro orbita em torno de suas obras, ainda que nomes como Carlo Collodi, Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft sejam referenciados pontualmente também. Todos são trazidos a um contexto mais perturbador e o gênero de terror/horror se encaixa. Fábio Yabu transgride sem pudor qualquer espécie de moralismo.

Os elementos góticos mais clássicos também se fazem presente como fantasmas, castelos, personagens instáveis, estranhezas, entidades e monstros. Yabu distribui bem todos estes pontos ao longo dos doze contos do livro – ainda que eventualmente se torne repetitivo –, permitindo tornar cada trama não apenas assustadora, mas reverencial. A inserção de dramas contemporâneos em contos que representam períodos mais antigos auxilia na correlação social. E aqui, majoritariamente, há a representação desta metáfora através das mulheres e crianças.

Coincidentemente, a figura masculina é antropomorfizada de maneira burlesca ou retratada diretamente como maléficos, omissos, aproveitadores ou impotentes diante da realidade pesada que se apresenta aqui. As poucas vezes que existe diferenciação, é ermo e, ainda assim, funcional pela ideia que está longe de ser uma crítica vazia e rançosa, mas sim contrapontos diante de um grupo de histórias que sempre teve no homem o conforto. Pelo período histórico que cada história foi escrita ou repassada, havia uma lição infantil a ser ensinada, portanto mulheres e crianças eram espelhos para o período infantil, enquanto o homem era a representação da virilidade. Retirar da equação esta “segurança” de grande parte da história e entregar um protagonismo sem heroísmo a estes dois grupos, dá a Fabio Yabu maiores possibilidades narrativas.

Ao tolher as “tábuas de salvações” originais como príncipes, reis e lenhadores, Yabu acena ao – bom – discurso de que para o bem ou para o mal, nem sempre haverá bondade no fim do túnel. É relevante pensar no ponto das mulheres e crianças justamente pela ótica do esvaziamento do século XIX e na aproximação do século XXI, permitindo que os contos se tornem alegorias derivadas. E com alguma Suspensão de Descrença dos conceitos apresentados é possível chegar a conclusões sobre a estética pretendida pelo autor.

Esta necessidade em manter a obra escorada nas entrelinhas nem sempre é 100% assertiva, importante frisar. Apesar de suas páginas funcionarem muito mais como leitura rápida e entretida em chocar com o grafismo da violência e plot twists que buscam criar vínculos entre contos, é possível chegar às interpretações de uma análise mais profunda. A grande questão é como o livro tem certa dificuldade em chegar a isto.

Resenha de Branca dos Mortos e os Sete Zumbis

O autor, Fabio Yabu.

Erros na simplicidade, falta de coragem na complexidade

Todas estas camadas que comentei até aqui provém de duas coisas: o hábito de ler continuamente diversos livros – e por consequência ser um chato exigente – e o interesse em conhecer a fundo sobre exatamente o que estou lendo. Parte disto sempre foi meu, porém parte disto é exigência da escrita para entregar algo com o mínimo de qualidade para vocês aqui. O livro de Fabio Yabu me significa algo porque o tornei extrinsecamente importante na pesquisa da criação da crítica, seja ela algo que se guarde para si, ou algo que precise ser exteriorizado. E este hábito não é usual para leitores mais esporádicos.

Não que a obra não possa ser lida de maneira ligeira e supérflua e ainda assim ser agradável. O livro se permite veementemente a isso: o raso. Isto não seria necessariamente errado, se fosse a proposta inicial. Este sentimento é reforçado com a escrita simples, sem narrativa rebuscada ou prepotente que funciona mais para reforçar o didatismo vago. Fábio Yabu se subestima ao relegar seus escritos apenas a um pilar, ou seja, a ode ao horror sem profundidade. E, honestamente, livro está longe de ser apenas uma representação deste filão, porém, deixa detalhes importantes de si mesmo rebaixados a segundo escalão.

Assim, é lamentável que Branca dos Mortos e os Sete Zumbis seja carente de um pouco mais de conversação profunda com o leitor. Nem todos sabem da assexualidade endêmica de H.P. Lovecraft e, portanto, a informação que seria de auxílio a uma melhor percepção fica restrita a um grupo menor sobre qualquer tipo de segredos que o conto Bela Incorrupta poderia ter ao misturar um conto de fadas a Re-animator. Ou fica mais difícil entender a ironia de ter no livro Hans Christian Andersen, um dinamarquês, dividindo as páginas com dois irmãos que sonhavam uma Alemanha unida como país quanto os próprios dinamarqueses estavam entremeados naquela segregação. Ou ainda: o deboche ao Inserir Charon, o barqueiro que levava as pessoas mortas na mitologia grega, sentindo falta dos humanos num planeta Terra extinto e suas complexidades, mas que ao fim observa uma casa, a única coisa que restara de pé, feita por um porco.

A partir disso, é possível compreender como uma escrita pode subjugar-se através da narrativa feita à incautos. Isto pesa tanto que, em determinado momento, as nuances ficam insignificantes e a satisfação vem muito mais através da hipérbole do gore e dos clímaces violentos ou tenebrosos. Estes que, aliás, funcionam perfeitamente.

Isto posto, Branca dos Mortos e os Sete Zumbis e outros contos macabros tem muito potencial, mas se perde na covardia ao negar a própria complexidade e desagradar leitores pouco habituais, buscando ser simplesmente consumível onde não precisa e complexamente incrível onde poucos veem. Há uma pegada comercial interessante no apelo de misturar tantos bons elementos aos contos de fada, o horror é interessante apesar de quase sempre previsível e as subversões têm peso. Consegue ser uma obra que agrada opostos ainda que, infelizmente, se relegue a um papel narrativo menor e nunca saia das suas páginas mesmo com tanto a dizer.

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