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A Queda de Gondolin – Porque Tolkien nunca é demais!

Volume de A Queda de Gondolin é um deleite para os fãs

O projeto da HarperCollins para as obras de J.R.R. Tolkien no Brasil finalmente tem início com a publicação de A Queda de Gondolin (The Fall Gondolin). Originalmente editado – como praticamente todo o resto da obra do Professor – pelo seu filho e herdeiro Christopher Tolkien, A Queda resgata um momento determinante na construção do legendarium tolkieniano. Na verdade, o primeiro deles, já que a primeira versão deste texto é apontada como a pedra fundamental no desenvolvimento da sua mitologia.

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O volume conta com diversas versões da mesma história, desde a sua primeira composição até suas versões posteriores revisadas e mais completamente inseridas dentro da história interna de Arda. É possível ver claramente a evolução da escrita de Tolkien, visto que a versão inicial data de 1916, tendo sido lida publicamente no Exeter College Essay Club em 1920 – ou seja, 17 anos antes da publicação de O Hobbit – até as últimas versões, quando a história da saga dos elfos na Terra-Média já estava melhor consolidada e organizada.

No conto, ficamos sabendo como Ulmo, o senhor das águas e um dos Valar de maior poder em Arda, revelou a Turgon a localização do vale de Tumladen, um local secreto e geograficamente fortificado, onde os elfos e aqueles que estes achassem dignos poderiam viver longe dos olhos e da corrupção de Morgoth, o primeiro e mais poderoso Senhor do Escuro. Sob este desígnio divino, Turgon encontrou o cisma dentro das Echoriath, as Montanhas Circundantes, e ali fundou sua cidade, cujo desenho era baseado na cidade de Tirion, em Valinor, que os Noldor tiveram que abandonar para sempre após o Fratricídio de Alqualondë.

A cidade cresceu em poder e prosperidade, e resistiu durante muito tempo às investidas de Morgoth. A cidade era protegida por sete portões, cada uma feito de um material específico – desde madeira, até aço – e era considerada inexpugnável, até que a traição de Maeglin, sobrinho de Turgon, levou as criaturas de Morgoth aos portões da cidade no momento mais propício possível. Gondolin termina completamente destruída, e sua tragédia torna-se uma das memórias mais dolorosas na mente dos noldorin na Terra-Média.

Mitologia para quem gosta de mitologia

O amigo leitor mais versado em mitologia pode perceber uma forte influência dos mitos gregos sobre um jovem Tolkien aqui – algo relativamente raro de se ver, já que o autor era conhecido por se debruçar sobre os entroncamentos nórdicos, germânicos e celtas da mitologia mais do que sobre os greco-romanos. A história claramente remete ao relato homérico do saque da cidade fortificada de Tróia, da traição de Efialtes aos espartanos nas Termópilas e às descrições da mítica cidade de Ecbátana. Talvez por ser o texto primevo de Tolkien, também encontremos uma justificativa aí para tal tipo de afirmação: como todos os habitantes do ocidente, Tolkien também era bastante influenciado pelas tradições greco-romanas, e não é absurdo afirmar que ele tenha encontrado nesses mitos – de conhecimento relativamente comum – uma boa pedra fundamental no desenvolvimento da sua própria mitologia.

Mas perceba, amigo leitor, como é necessária alguma base prévia para fruir completamente de A Queda. Portanto, é necessário frisar, principalmente para os leitores casuais, que este é um volume complementar – daí a nota reduzida do livro. Para quem já teve acesso ao textos de O Silmarillion e Contos Inacabados, A Queda de Gondolin pode ser um volume redundante – como também acontece com Os Filhos de Húrin e Beren e Lúthien. Ou então, se você é um fã mais hardcore e já teve acesso aos History of Middle-Earth – que esperamos honestamente que faça parte do projeto da HC Brasil, já que estes sim, trariam muito material inédito em português – A Queda é quase que completamente desnecessária.

Resenha de A Queda de Gondolin

Mas existe uma pegadinha nessa última sentença, porque, se você é realmente um fã hardcore, vai fazer questão de ter essa belezinha na sua estante. Primeiro porque, para fins de estudo da mitopoesia tolkieniana, é sempre mais fácil e mais rico ter material específico dedicado ao mito em questão – pelo menos, mais fácil do que buscar as referências nos imensos compêndios dos History ou nas versões específicas de Silmarillion e Contos. Com inúmeras notas, esclarecimentos específicos e referências dos textos originais, o livro é um prato delicioso para quem não acha que exista o bastante de textos de Tolkien.

Segundo, porque o volume em si ficou magnífico: o trabalho de publicação de HC, além da capa dura e papel de alta qualidade, também é adornado pelas ilustrações belíssimas de Alan Lee, que não apenas dão um toque de classe ao volume, mas também potencializam o processo de imersão no conto – uma decisão bastante acertada, visto que, como dissemos, A Queda é primariamente uma publicação para fãs ardorosos e/ou estudiosos de Tolkien.

A tradução

Agora, antes de encerrarmos, precisamos falar sobre o elefante na sala: a nova tradução, assinada por Reinaldo José Lopes (que participou do nosso podcast sobre Tolkien). O trabalho de dividido opiniões, principalmente em relação aos termos clássicos “orc” e “goblin”, que foram traduzidos como “orque” e “gobelin”. A justificativa é que o corpo de tradutores optou por obedecer de forma preciosista as orientações do próprio Tolkien para traduções, que incluem não apenas versões diretas dos vernáculos, mas também seu desenvolvimento social e histórico dentro da filologia de Arda. Devemos dizer que apoiamos tal decisão.

É salutar observar que, mesmo no contexto interno d’A Queda, Tolkien observa que, porque Gondolin permaneceu durante muito tempo isolada e com uma população mista de noldorin e sindarin, desenvolveu-se ali um dialeto distinto dos seus idiomas originais; a própria palavra “Gondolin” é uma corruptela oriunda das versões de Quenya, o idioma Noldor, que a chamava de Ondolindë, e do sindarin de Beleriand, que deveria chamá-la de Goenlin ou Goenglin.

Ou seja, a opção feita pelas tradutores é apenas orientada – apropriadamente – pela noção de que todo idioma é algo orgânico, que se adapta e se transforma às sociedades e contextos históricos que apresentam ou, no caso de Tolkien, representam; ergo, seria naturalmente um desenvolvimento outro de tais nomes e termos que não simplesmente sua alocação direta do inglês para o português. É preciso, principalmente para os fãs mais novos ou oriundos de outras mídias, desapegar-se da ideia de que o cânone tolkieniano obedece uma prima regra fixa e imutável. Se assim o fosse, o próprio autor não teria se dado ao trabalho de orientar traduções de nomes e termos.

A única nota realmente lamentável é que Christopher já deixou claro que A Queda de Gondolin provavelmente será a última publicação dos trabalhos restantes de seu pai. O que significa que, 45 anos após sua morte, estaremos definitivamente órfãos do Professor.

Certamente, uma tragédia pior do que qualquer uma que os elfos já enfrentaram…

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