Ponte Aérea é um filme brasileiro sobre amor que discute os relacionamentos contemporâneos de maneira, ao mesmo tempo, sensível e divertida. Só isso já valeria o ingresso, por ser algo raríssimo no cinema nacional, mas o filme dirigido por Julia Rezende conta com muitas outras razões para ser visto e apreciado. Inspirado no livro Amor líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, de Zygmunt Bauman, e em experiências e questionamentos pessoais da diretora, ele propõe uma reflexão sobre o modo de se enxergar os relacionamentos amorosos nos dias de hoje. Cada vez mais encarados como um produto, algo a ser desejado e consumido sem muito esforço e dedicação, talvez a geração atual esteja com dificuldade ou medo de encarar os desafios e obstáculos que muitas vezes aparecem dentro de uma relação.
Obstáculos não faltarão para o casal Bruno (Caio Blat) e Amanda (Leticia Colin). Após terem seu vôo Rio-São Paulo desviado para Belo Horizonte devido ao mau tempo e serem transferidos para um hotel, onde terão que passar a noite, o carioca e a paulistana irão se conhecer e após uma conversa rápida e superficial, passarão a noite juntos sem saberem ao menos os sobrenomes um do outro. Porém, a atração instantânea despertará algo maior e fará com que ele, em São Paulo para visitar o pai no hospital, a procure e iniciem um relacionamento, onde terão que se equilibrar entre as idas e vindas de Rio para São Paulo e vice-versa. A distância não será a principal dificuldade, mas as grandes diferenças no modo de vida e de enxergar o mundo entre eles. Amanda é uma mulher ambiciosa, workaholic e super focada, enquanto Bruno vive uma espécie de pós-adolescência prolongada, sem profissão ou objetivos definidos, apesar de bastante criativo e talentoso. Assim, ambos terão que aprender a conviver e se adaptar a essas diferenças, passando por um processo de amadurecimento e transformação no caminho.
Ok, romances em que os protagonistas são de mundos diferentes e devem lidar com isso são bastante comuns e corriqueiros. Mas o grande mérito de Ponte Aérea é ter um roteiro que narra essa jornada de uma maneira delicada e agradável e que é tão bem estruturado que não sabemos como acabará. Ao contrário da grande maioria dos filmes românticos, aqui é difícil prever o destino do casal.
Apesar dos personagens serem até certo ponto convenientemente estereotipados (carioca artista e relaxado, paulistana workaholic e estressada), eles são bem construídos e interessantes, com suas falhas e qualidades bem trabalhadas, tornando-os pessoas críveis e de fácil identificação com o público, sendo assim também fáceis de gostar. A transformação pela qual passam mostra que há muito mais neles do que poderia parecer no começo. A ótima atuação de seus atores também contribui muito para isso. Caio Blat, um dos nossos atores mais versáteis e atuantes entrega mais uma boa performance e a bela Leticia Colin desponta como uma grande promessa para o cinema nacional. Ambos estão muito bem tanto nos momentos mais descontraídos quanto nos mais dramáticos.
Outro acerto é que as diferenças entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo são destacadas de maneira inteligente e bem humorada, não pendendo nem pra um lado nem pro outro. A belíssima fotografia ajuda muito nesse ponto, capturando as belezas de ambas as cidades sem apelar para a estética de cartão-postal. Fugindo do convencional São Paulo cinzento e Rio colorido, ela encontra o belo tanto na arquitetura dos prédios como nas praias e as locações são muito bem escolhidas e apropriadas para o clima da história.
Ponte Aérea é um filme feito com esmero e muito bem vindo no cinema brasileiro. Atual na discussão ao retratar o ponto de vista de uma geração, é também atemporal no tema ao tratar de amor, busca de identidade e amadurecimento. Que venham mais filmes como esse, sobre pessoas comuns enfrentando desafios comuns. Enfim, sobre nós.
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A COLETIVA (Fotos de Marcelo Sakabe)
Após exibição para imprensa do filme Ponte Aérea, elenco e equipe esbanjaram simpatia e harmonia na coletiva realizada no Hotel Meliá para falar sobre o filme. Estavam presentes as produtoras Mariza Leão e Erica Lootty, a diretora Julia Rezende e os atores Caio Blat, Leticia Colin, Felipe Camargo e Sílvio Guindane. Em clima descontraído, falaram sobre como foi realizar o filme e de como estavam orgulhosos dele.
A diretora contou sobre as motivações e inspirações para a obra. Afirmou acreditar que o amor e os relacionamentos são um tema importante da atualidade, mas que é muito pouco discutido no cinema nacional. Confessou ter usado bastante das experiências e indagações pessoais e de amigos para escrever o roteiro, que passou por diversas alterações e demorou quase quatro anos para chegar em sua versão final. Disse que queria falar sobre a dificuldade de sua geração de se comprometer e lutar por seus relacionamentos. Em meio a esse longo processo de levar Ponte Aérea aos cinemas, ela dirigiu Meu Passado Me Condena, que segundo ela lhe deu a chance de amadurecer como diretora e lhe preparou para um filme mais pessoal.
A produtora Mariza Leão, com seu jeito divertidamente desbocado de sempre, falou sobre as dificuldades de conseguir financiamento para um filme romântico e da importância de se filmar em locações reais nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, além do desafio de gravar num aeroporto em pleno funcionamento.
Os atores, num clima de camaradagem, falaram sobre seus personagens e suas relações pessoais com o tema do filme. Leticia Colin disse viver e entender bem os dilemas que sua personagem encara no filme, afinal, é um retrato de sua geração. Disse ter confiado plenamente em Julia para compor sua personagem e contou ao Formiga sobre as referências que tiveram dos filmes de Sofia Coppola para essa criação.
Caio Blat se mostrou um entusiasta e defensor do amor tradicional, com toda a proximidade e cumplicidade que vem junto com ele. “As pessoas estão com muito medo de se entregar e de amar. Se entregar é um ato de coragem. Sou uma pessoa com uma postura mais antiga. Queria casar e ter filhos.” Disse também ter amigos que tem medo de amar e que uma das razões que o levou a fazer esse filme foi justamente essa, de levar essa discussão para eles e gerar reflexão. Falou também da importância de um filme como esse no cinema brasileiro, dizendo que o jovem que vai ao cinema quer se ver lá. Pessoas comuns, encarando problemas e sentimentos comuns, retratadas de maneira sensível e inteligente. Fórmula que tem funcionado muito bem no cinema argentino e que começa aos poucos chegar por aqui.
No fim das contas, ficou evidente que esse foi um projeto bastante pessoal e feito com carinho e cuidado por todos. Equipe e elenco estavam satisfeitos com o resultado e esperançosos que o filme comunique bem com o público. Pelas reações que sentimos, parecem ter boas chances de conquistar esse objetivo.