Recentemente, divulgou-se pela imprensa especializada que a 20th Century Fox adquirira os direitos para uma nova adaptação do clássico policial de Agatha Christie, Assassinato no Expresso do Oriente (1934).
A produção ficaria a cargo de uma trinca de peso do estúdio: Simon Kimberg, que trabalhou em blockbusters juvenis como Jumpers, X-Men-Primeira Classe, Sr. e Sra. Smith, e Eysium; Mark Gordon, mais conhecidos por produzir trabalhos televisivos como as séries Grey’s Anatomy e Criminal Minds, e também como produtor de filmes como O Dia Depois de Amanhã e 10.000 a.C. e ainda, Ridley Scott, um dos diretores mais respeitados do cinema norte-americano atual, responsável por longas premiados, como Alien, o oitavo passageiro, Thelma e Louise e Gladiador.
Um dos livros mais famosos da escritora inglesa (cuja obra completa estima-se estar entre as cinco mais vendidas de todos os tempos, dependendo da pesquisa), já foi adaptado para o cinema em outras oportunidades, a mais famosa delas pelas mãos de Sidney Lumet, no célebre filme de 1974. Sobre a nova versão, não há informações sobre diretores, atores, data de estreia, nem mesmo se o projeto irá adiante, mas a notícia já provocou uma comoção entre dois grupos de fãs apaixonados: os aficionados por Agatha Christie e os amantes de cinema que lutam pelo respeito aos clássicos.
Nos anos 1970, Lumet criou uma película memorável, que reuniu o que de melhor havia no casting hollywoodiano da época, como Jacqueline Bisset, Sean Connery, Lauren Baccal, Antony Perkins, Albert Finney e Ingrid Bergman, que venceu seu terceiro Oscar por esta atuação. Em vez de uma briga de egos provocada por um número tão grande de estrelas, o que se conseguiu foi um filme delicioso e marcante tanto para os leitores mais exigentes quanto para os cinéfilos mais críticos.
Nas redes sociais, são inúmeros os comentários, contrários e favoráveis, em dezenas de páginas de relacionamento. Mas o que esperar da versão século XXI do longa? Não há muito com que se basear além dos trabalhos pregressos dos produtores e a tendência atual do cinema norte-americano. Kimberg é marcado por cines-pipoca com muita ação, roteiro fácil e sustentado no aspecto visual e em efeitos especiais vibrantes. Já Gordon nunca dispensou fórmulas consagradas e clichês batidos nas séries de sucesso que assinou, assim como apela ao espetáculo visual para prender a atenção dos espectadores da poltrona. São produtores holywoodianos de carteirinha, recorrentes na busca pelo próximo sucesso comercial do verão. Ridley Scott é a joia da coroa. Apesar de reunir algumas das características megalomaníacas dos parceiros e uma irritante instabilidade criativa, tem a diferença de ter no currículo a direção de filmes que não se resumem a superproduções visuais ou a elencos estrelados, mas destacados por uma captação sensível dos aspectos emocionais dos personagens e das nuances do roteiro, sem descuidar de um detalhamento visual impressionante, que torna muitos de seus filmes memoráveis.
Há alguns anos, a indústria do cinema norte-americano vem investindo na reciclagem de obras presentes do imaginário afetivo do público ou referência de décadas passadas. O resultado raramente é positivo do ponto de vista da crítica. Nesse cenário, é temoroso arriscar que vem por aí uma obra-prima. Ridley será o fiel da balança, provavelmente em um filme pontuado por astros contemporâneos e direção de arte caprichada, como uma espécie de continuidade da proposta do antecessor. Porém, dificilmente teremos uma obra que cative os fãs da história clássica (alguém cada vez mais difícil de encontrar) ou “cinemeiros” de shopping center, normalmente acessos a histórias tão dependentes de um roteiro inteligente como a literatura recreativa de Agatha Christie exige.
Quem gostou do Assassinato do Expresso do Oriente, de Sidney Lumet, pode até alimentar uma certa curiosidade sobre o que Ridley Scott pode conseguir, mas o melhor mesmo é torcer que essa notícia não passe, apenas, de pura especulação.