O elenco chama atenção em Os Fantasmas de Ismael
Quando você olha o cartaz de Os Fantasmas de Ismael (Les Fantômes d’Ismaël) tem o impacto de encontrar duas consagradas estrelas francesas, Marion Cotillard (Um Instante de Amor e Aliados) e Charlotte Gainsbourg (Boneco de Neve e Norman: Confie em Mim). Ambas são grandes estrelas e queridinhas de grandes diretores como Christopher Nolan e Lars von Trier, respectivamente. Mas o protagonismo do filme é do ator Mathieu Amalric, conhecido pelo vilão Dominic Greene, de 007 – Quantum of Solace.
No filme, Ismael (Amalric) é um cineasta (aliás o cinema francês adora esse tipo de personagem, que escreve histórias e as mistura com seus conflitos internos, como no excelente Monsieur & Madame Adelmann) que ainda se recupera da ausência da esposa Carlotta (Cotillard), que o abandonou há 21 anos. Enquanto escreve e dirige seu próximo filme, já ao lado de uma nova e forte mulher, Sylvia (Gainsbourg), ele convive com a pressão de contar a história do irmão bem sucedido e o retorno da esposa que tanto amou.
O diretor e roteirista Arnaud Desplechin opta por criar uma narrativa cruzada entre o universo real, a vida de Ismael, soturna e infeliz, com o universo metafísico do filme que ele escreve, sobre seu irmão Ivan, vivido por Louis Garrel. Porém, o idealizado irmão é tudo o que Ismael não é. As narrativas tentam espelhar os sentimentos conflitantes do protagonista.
Os fantasmas do título seriam as pessoas que se ausentaram de sua vida e que assombram o seu lado mais sensível: A esposa Carlotta e o irmão Ivan. Essas histórias são contadas completamente separadas e possuem linguagens próprias. O irmão, personificado pelo filme como um agente secreto, aparece sempre como um personagem confiante e forte. Tanto fotografia quanto montagem nos levam ao mundo dos filmes de espiões, como Hercule Poirot e James Bond.
Já a vida real é assombrada pela ausência da esposa, que se foi ainda jovem e cuja única imagem é um quadro de sua adolescência, pintado justamente pelo irmão. O visual é mais escuro e a cor menos saturada. A montagem é mais lenta e introspectiva.
Percebe-se que Ismael é um homem atormentado pelas incertezas sobre ter sido abandonado e a trama não deixa clara a relação entre a esposa e o irmão, dando uma impressão de que houve algo a mais, como a dúvida que paira sobre Capitu, personagem de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Essas dúvidas que o envenenam pareciam estar domadas pela presença de Sylvia até a volta de Carlotta. E essa presença, quase fantasmagórica, modifica todo o senso de realidade de todo o elenco.
Perdendo-se no meio do caminho
O roteiro, que também foi escrito por Julie Peyr e Léa Mysius, corre bem até a metade do filme, porém se perde absurdamente do meio do segundo ato em diante. Recursos que não pareciam fazer parte da narrativa, como uma quebra improvável de quarta parede, são jogados na tela sem qualquer apresentação ou função narrativa relacionada ao texto do filme. A impressão é que estamos diante de um novo filme que apela para a pieguice, para clichês visuais, tornando o tempo arrastado e interminável. De repente, o plot do “filme dentro do filme” se torna absurdo, tentando emular Fellini em 8 e meio, e o protagonista se perde sem qualquer razão.
E pior é que os grandes atores que fazem parte do elenco parecem completamente teatrais, com explosões incômodas e desnecessárias. Marion Cotillard, que já havia sido criticada pela morte “teatral” no terceiro Batman de Nolan, é apenas um personagem desconectado e sem profundidade, Mathieu tem acessos de Overacting e Gainsbourg, a melhor de todos, apenas repete outras atuações recentes.
Parece que a “loucura” que toma conta do personagem e do filme é uma “exaltação autoral”, mas sem uma proposta, que torna a jornada do personagem em algo sem rumo e nos faz querer sair do filme sem ver o final. E quando ele chega…
Infelizmente, Arnaud Desplechin erra a mão totalmente por esquecer que por mais que a “liberdade criativa” seja algo bem vindo no cinema de autor, ela é uma ferramenta e deve ser usada a serviço da narrativa. Em Os Fantasmas de Ismael, o que deveria ser belo e poético tornou-se apenas “blasé”.