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J.G. Ballard – Não publique esse texto!

O texto polêmico e as adaptações cinematográficas de J.G. Ballard

Quando falamos em literatura de ficção, muitos nomes vêm à mente: George Orwell, Phillip K. Dick, Ray Bradbury, Arthur C. Clarke; a lista é imensa. Mas existe um controverso autor de ficção, mais conhecido do grande público por algumas das adaptações cinematográficas de sua obra, que possui uma língua afiada e uma visão incrível do futuro que é menos reverenciado, mas não menos importante: J.G. Ballard.

J.G. Ballard

J.G. Ballard!

James Graham Ballard, britânico nascido na China, foi um escritor prolífico (entre romances e contos, escreveu mais de 20 livros) e polêmico. Uma de suas obras mais famosas, Crash, publicado em 1973, chegou a receber, de um editor que recusou o manuscrito, uma nota sobre ser perturbador demais para ser publicado. O fato é que esse livro foi não só publicado como, anos depois, adaptado para o cinema por David Cronnenberg.

Sua obra reflete o futuro (às vezes pós-apocalíptico) que se pressupunha do pós-guerra: algo focado na crítica social, algo focado na paranoia político-militar. Mas também pode se dizer que seu trabalho é fortemente focado no comportamento humano. Seus personagens são cínicos, críticos e, em muitas de suas obras, pervertidos.

Outras duas obras de Ballard tiveram adaptações notáveis: Império do Sol, publicado em 1984 e transformado em filme por Steven Spielberg em 1987; e High Rise, no Brasil traduzido como No Topo do Poder, publicado em 1975 e adaptado por Ben Wheatley para o cinema quarenta anos depois. Confira, abaixo, um pouco mais sobre as adaptações (por ordem de estréia):

IMPÉRIO DO SOL

O Livro

Sua obra mais pessoal e menos polêmica, Império do Sol (Empire of the Sun, no original) relata, embora de forma ficcional, o período da infância de Ballard durante a Segunda Guerra Mundial, quando a família se separa após a invasão Japonesa à área ocidentalizada de Xangai, onde vivem, e o jovem Jim passa a viver de restos de comida até ser levado para um campo de prisioneiros, onde faz amizade com outros ocidentais. O livro foi escrito por Ballard com base em suas experiências no campo, onde, diferente da obra, a família não se separou (James, os pais e a irmã ficaram prisioneiros de 1943 a 1945), e possui a leitura mais leve de toda sua biografia.

O Filme

Inicialmente havia sido cogitado que o diretor Harold Becker assumisse, mas ele abandonou a produção e o filme passou para as mãos de David Lean (As Pontes do Rio Kwai, Lawrence da Arábia), com Steven Spielberg como produtor. Depois de uma longa pré-produção, Lean abandonou o projeto, alegando que não se sentia confortável com a narrativa. Spielberg, então, assumiu a direção e o roteiro de Tom Stoppard (ganhador do Oscar de Melhor Roteiro por Shakespeare Apaixonado) foi filmado.

Na escolha de elenco, Christian Bale foi selecionado dentre milhares de atores juvenis e até um jovem Bem Stiler faz uma participação. A trilha sonora marcante de John Williams e a belíssima fotografia de Allen Daviau (que também fez a direção de fotografia para Spielberg em Contatos Imediatos de Terceiro Grau e E.T. – O Extraterrestre) fazem do filme uma sensível adaptação, a de maior bilheteria dentre as obras de Ballard adaptadas para o cinema.

J.G. Ballard

CRASH – ESTRANHOS PRAZERES

O Livro

Inicialmente, o conceito de Crash saiu de um conto de mesmo nome inserido na coletânea de contos The Atrocity Exhibition. No romance, James Ballard (olha aí outro alter-ego) e sua esposa acabam conhecendo, após um acidente sofrido por ele, o misterioso Dr. Vaughan, que, posteriormente, descobrimos, junto com o protagonista, ser portador de sinforofilia, que é o prazer sexual obtido com tragédias e acidentes.

Com o desenvolvimento da história, quanto mais os personagens se acidentam (quase tudo, encenado para provocar o prazer sexual), mais o sexo ocorre (tanto hétero quanto homossexual). A descrição precisa dos acidentes e atos sexuais chocou os editores (lembra do que se recusou a publicar?), o público e a mídia, mas, com o passar dos anos, o livro ganhou status de cult.

O Filme

Aqui, preciso fazer uma menção ao colega de Formiga Elétrica, João Pedro Gibran. Recomendei esse filme para ele há algum tempo, dizendo que seria o filme mais doido que ele veria na vida (e ele concordou, não é JP?). Porque doido é um adjetivo delicado. Se já era surreal em livro (e, observe, foram 23 anos até alguém corajoso adaptar o livro), imagine literalmente 100 minutos de acidentes de carro, sexo, mais acidente, e mais sexo!

Assim como Laranja Mecânica, filme de Stanley Kubrick que adaptou a obra de Anthony Burgess, Crash (aqui no Brasil com o subtítulo Estranhos Prazeres) sofreu com tentativas de proibição de exibição no Reino Unido, com o Conselho de Cinema local fazendo pesquisa com psiquiatras (!) e pessoas com deficiência (!!) para atestar que não havia motivo para banir o filme do canadense David Cronnenberg dos cinemas. Com a maior classificação etária possível (18 anos), o filme foi liberado ao mesmo tempo em que ganhava o Prêmio do Júri do Festival de Cannes, tornando-se o filme mais premiado dentre as adaptações da obra de Ballard. Destaque para o sempre ótimo (e esquisito) James Spader no papel do protagonista e Elias Koteas no (assustador) papel de Vaugham.

J.G. Ballard

HIGH RISE – NO TOPO DO PODER

O Livro

Escrito em 1975, o romance distópico situa o leitor em uma Londres setentista, mas que poderia ser em qualquer época moderna. O protagonista, Dr. Robert Laing, muda-se após o divórcio para um edifício ultra tecnológico (detalhe para os elevadores super-rápidos), com uma mega infraestrutura para facilitar a vida dos moradores: supermercado, escola e área de lazer e esportes.

O que era para ser uma vida de conforto se torna um inferno, à medida em que serviços básicos, como água e energia elétrica, começam a faltar e os moradores se polarizam entre os andares inferiores (mais pobres), andares intermediários (com um pouco mais de acesso, pelas escadas, da infraestrutura do edifício), e andares superiores (onde moram os que tem melhores condições, como Laing, e o próprio arquiteto do edifício, Anthony Royal).

Eficaz em mostrar a decadência do ser humano sem acesso à recursos básicos, o livro fez sucesso em sua publicação inicial e ganhou uma base sólida de fãs, apesar de menor reconhecimento do que os dois acima citados.

O Filme

Tensão é o clima predominante no filme dirigido pelo britânico Ben Wheatley, mais conhecido por trabalhos menores como o filme de humor negro Turistas (Sightseers, 2012). A adaptação, bastante fiel, contou com um elenco estrelado: Tom Hiddleston como o protagonista Laing, além de Jeremy Irons, Sienna Miller, Elizabeth Moss e Luke Evans.

A excelente opção por manter o enredo nos anos 70 colocou a história como um “passado distópico”, o que caiu bem para o tipo de texto e referências (roupas, carros e até Margareth Thatcher!). A trilha sonora pesada de Clint Mansell e a fotografia acertadamente antiquada de Laurie Rose (colaboradora habitual de Wheatley) fizeram o filme ter aparência de velho, mas com uma mensagem bastante atemporal.

A decadência de Laing, conforme a situação do edifício se deteriora, é muito bem executada por Hiddleston e a atuação lunática de Luke Evans no papel do documentarista Wilder é um acerto. Destaque para a versão soturna de S.O.S, do ABBA, na voz marcada de Beth Gibbons, da banda Portishead, usada em uma cena particularmente tensa.

J.G. Ballard

Leiam, assistam e depois comentem aqui do que mais gostaram 😉

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