Sem abandonar velhos vícios, Homem-Aranha: Longe de Casa é mais um filme da Marvel
Enquanto tecia o texto em sua mente, este colunista se pegou pensando diversas vezes na expressão “como já dissemos anteriormente em outras críticas”. Não deixa de ser uma irônica crítica em si aos filmes da Marvel a dificuldade implícita de falar sobre eles sem parecer que estamos repetindo um discurso anterior, seja em qualidades ou defeitos das produções. Alguns tolos – como este que escreve – se permitiram acreditar que a megalômana empresa se permitiria dar um tempo de seu universo cinematográfico, deixar a poeira e a memória assentarem um pouco após o sucesso estrondoso de um filme mediano como Vingadores: Ultimato. Que patética ilusão! A mensagem da Marvel é clara: enquanto essa amaldiçoada vaca ainda produzir, nós a ordenharemos à exaustão. E a última esguichada de leite desta malfadada, ainda que faustosa, teta é Homem-Aranha: Longe de Casa.
Como já dissemos anteriormente em outras críticas (sarcasmo pretendido), não se trata de um filme ruim. A questão é que ele é estritamente uma imitação da imitação (os fanboys de plantão devem passar longe do filme). Da mesma forma que Homem-Aranha: De Volta ao Lar era uma imitação das comédias adolescentes no melhor estilo John Hughes com super-poderes, Longe de Casa é uma imitação dos clichês de continuações de filmes adolescentes que vão para a Europa, da mesma forma que também é uma imitação de todos os outros filmes Marvel, que são imitações de si mesmos.
A estrutura é tão rigorosamente previsível quanto poderia ser: Peter (Tom Holland) planejou uma grande declaração romântica para MJ (Zendaya), aproveitando os exóticos e clássicos cenários do Velho Continente. Enquanto gags de competidores pela mão de MJ, professores inconvenientes, ignorância adolescente estadunidense sobre outros territórios se acumulam, ele consegue se aproximar da menina de uma maneira jovial e alegre, levando inocência e sorrisos aos corações e rostos dos espectadores. Super-fofo.
Isso tudo é permeado, claro, pela contrapartida de ser um filme Marvel, no sentido estrito do termo. Mais uma vez, o Amigão da Vizinhança é coadjuvante de sua própria história, onde o real protagonismo reside na memória de Tony Stark. Todo o conflito da trama, desde o elenco “adulto” (Happy Hogan (Jon Favreau) tem sua primeira participação relevante num filme desde Homem de Ferro 3 – até os vilões (que preferimos omitir para preservar spoilers) estão calcados na trajetória, ações e consequências do Vingador Dourado. Em De Volta ao Lar, ao menos o envolvimento do vilão com a trama era algo mais relacionado ao universo e não ao Homem de Ferro. Em Longe de Casa, a trama do ferroso interfere em tudo, até nas motivações particulares do vilão. Peter Parker é apenas um caroneiro em duas horas de exibição que não lhe pertencem. Uma referência ao ambiente europeu? Não… Dificilmente o texto de um filme Marvel se dedicaria a esse tipo de sutileza.
O mesmo sabor de sempre
De fato, algo que é salutar sobre o filme é que as duas cenas mais impactantes, dramática e narrativamente falando, são as pós-créditos. E sim, é um imenso sinal amarelo quando a única coisa que realmente fez a sala de cinema vibrar na sessão tenha acontecido depois que o filme acabou. Embora uma delas envolva mais “fanboyzice” e a outra seja mais relevante para a continuação do universo do que para qualquer coisa relacionada ao Aranha (se prepare para mais 25 filmes iguais vindo), é impossível deixar passar a impressão de que, no fundo, todo o resquício memorial e sensorial da exibição tenha se resumido aos poucos segundos após o encerramento.
Talvez seja tarde para pontuar isso, mas vamos reforçar que não se trata de um filme ruim. Todo o elenco é estupidamente carismático e Tom Holland, que me perdoem as viúvas do Tobey Maguire, é provavelmente o melhor Aranha que já vimos no cinema. Jake Gyllenhaal acaba sendo sub-aproveitado, mas mesmo assim entrega a habitual convicção na interpretação. A trama, por elementar e preguiçosa que seja, ainda é consistente e diverte em suas gags, principalmente na inadequação que a expressão de Holland sempre transmite.
Tal qual o recente Shazam!, da finada DC no cinema, Longe de Casa é um filme de Sessão da Tarde que cumpre bem sua real função: manter a vaca da Marvel consciente de que suas tetas estão longe de secarem. Dessa forma, se o amigo leitor ainda é um daqueles turistas urbanos ávidos por vivenciar experiências de fazenda cuidadosamente preparadas para você – estéreis e seguras na medida certa, onde a “aventura” nunca sai do lugar – o leite pasteurizado de Homem-Aranha: Longe de Casa é ideal para ser sorvido. Tem o mesmo gosto que você já conhece, com a garantia de que mais centenas de caixinhas estão vindo para mantê-lo devidamente saciado – e longe da ideia de provar outras coisas.
Cheers!