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Coringa 80 anos: As muitas faces de um sorriso!

2020 marca os 80 anos do Coringa,que assopra velinhas e relembra suas várias faces no cinema

Joaquin Phoenix levou um Oscar por seu pavoroso Coringa. E por pavoroso, me refiro tanto ao filme quanto ao personagem. E quando digo “pavoroso”, estou elogiando. Dentre os Coringas que brilharam na tela, tivemos um hiato entre o pândego e inocente bozo maléfico de Cesar Romero (da série televisiva sessentista recheada de onomatopeias) até o icônico gângster gótico de Tim Burton vestido pelo não menos icônico Jack Nicholson

Outro hiato e eis que surge o assustador Coringa de Heath Ledger e, pouco depois, a mais criticada versão, vivida por Jared Leto; e mais duas (de Roger Stoneburner e Cameron Monaghan), que passaram praticamente despercebidas, salvo pelos que assistiram as séries Mulher-Gato e Gotham. O fato é que Ledger não chegou a ostentar os louros da vitória em vida, já que demorou para se despir do Exu brabo que encarnou, além de sua versão ter sido rapidamente “substituída” pela atuação cristalina de Phoenix. 

Seja como for, frequentemente nos deparamos nas redes sociais com memes comparando as várias versões do palhaço do crime nas telas, rendendo críticas e homenagens às mesmas. Não venho por meio deste artigo defender ou rebaixar esta ou aquela versão, mas expor as muitas versões do personagem no cinema e elucidar os momentos e fases nas HQs que serviram de base para cada uma.

Artigo Coringa

Cesar Romero – Batman (1966 a 1968)

Em 1966, Adam West desponta como o Batman nada fitness que faltava pouco para dar mesada ao Robin bambino vivido por Burt Ward. A série foi ao ar pela American Broadcasting Company (ABC) e chegou ao Brasil pela pouco tempo depois pela TV Paulista, na época, canal 5, ainda em preto e branco. Mais tarde, foi comprada pela Rede Globo. Foi a primeira “batmania” e a série se manteve em reprises pelas décadas seguintes. Cesar Romero fez um Coringa caricato que tinha tudo a ver com o personagem e com o clima da série.

Filho de uma cantora cubana e neto do lendário José Martí (político, jornalista e poeta cubano, fundador do Partido Revolucionário Cubano e organizador da chamada Guerra Necessária), sua família decaiu economicamente após a crise de 1929 e logo em seguida, Romero ingressou na carreira de ator, já interpretando gangsters italianos. Contracenou com Carmen Miranda em Aconteceu em Havana (1941) e até com Frank Sinatra em Onze Homens e um Segredo, mas seu papel como Coringa foi o que realmente alavancou sua carreira, que nunca chegou ao estrelato, sempre em papéis coadjuvantes. A série do “Soc, Tum, Pow” voltou à ativa na televisão brasileira em canais inexpressivos, mas só veio à tona mesmo no início dos anos 2000, com uma paródia youtúbica a la Tela Class. “Santa Feira da Fruta, Batman!” 

Artigo Coringa

Jack Nicholson – Batman (1989)

Com o passar dos anos, o personagem amadureceu a duras penas no inconsciente coletivo dos leitores. Cortesia de Denny O’Neil (falecido este ano) que, com Neal Adams, devolveu o Homem-Morcego às suas origens obscuras. A tão aclamada trilogia de Christopher Nolan, onde Ra’s al Ghul aparece como mentor e responsável pela parte essencial do treinamento de Bruce Wayne, não teria existido já que o mesmo fora criado por ambos. O’Neil mergulhou fundo na psiquê do personagem e trouxe a sombra à tona… ou devolveu Batman a ela. Com essa fase e a abordage de Frank Miller como influências para o filme de Tim Burton, ninguém melhor do que Jack Nicholson, com sua conhecida careta emblemática presente em O Iluminado, para fazê-lo.

A despeito das duas risíveis continuações (de Joel Schumacher), o universo de Tim Burton funcionou muito bem até o segundo filme, com talvez o melhor Pinguim já concebido e uma Mulher-Gato de fazer inveja à Madonna no clipe Erotica, que só seria lançado quatro meses depois do filme. Ambos passaram por extenso e intenso trabalho de maquiagem, mas o personagem de Danny DeVito era um Quasímodo gângster e tinha de ter toda a sua fisionomia alterada, enquanto as caras e bocas de Jack Nicholson poderiam ser suficientes para dar vida ao Coringa. A simples menção pelo cirurgião plástico de que os nervos faciais haviam sido totalmente seccionados era o bastante para que acreditássemos mais tarde ao ver o seu sorriso.

Como era de praxe das antigas adaptações de quadrinhos para as telas, a versão era sempre um paliativo e a história original era modificada para se adaptar a um longa-metragem. O Coringa morre no final e foi o responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne. Heath Ledger deveria ter dado ouvidos a seu antecessor, já que todo ator que encarna o palhaço dança com o demônio sob a luz do luar… 

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Roger Stoneburner (Quem?) – Mulher-Gato (2002 a 2003)

Muito antes do filme, houve uma série das Aves de Rapina pela The Warner Bros Television (TWB) (lançada como Mulher-Gato no Brasil, em 2003, e exibida pelo SBT), onde o Coringa, durante um  flashback, atira em Barbara Gordon, reproduzindo o canônico episódio retratado em Batman: A Piada Mortal. Embora o desconhecido Roger Stoneburner apareça caracterizado de uma forma cômica (no mau sentido para o personagem), sua participação na trama foi tão pálida que seu nome nem foi para os créditos. O Coringa foi creditado ao eterno Luke Skywalker, nosso próximo tópico.

Mark Hamill – Batman: The Animated Series (1992 a 1995) 

O ator emprestou sua voz ao personagem durante a série e para o desenho animado Batman: The Animated Series (1992), além da série de games Batman: Arkham. Uma interpretação muito elogiada para uma das melhores encarnações do Homem-Morcego e toda sua mitologia. Agradeça ao Bruce Timm.

Artigo Coringa

Heath Ledger – Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) 

Ledger realmente entrou no personagem! Ou talvez tenha sido ao contrário e o personagem tenha se recusado a sair, como cogitei no segundo parágrafo. A caracterização da boca cortada é um show à parte e voltou a entrar em cena na HQ Coringa (2008), de Brian Azzarello, primeira de uma possível trilogia com Batman: Damned (2018-2019) que inaugura o novo selo Black Label da DC e ainda será lançado no Brasil. O selo Black Label veio para tapar o buraco deixado pela Vertigo, mas, sinceramente, mais parece um “DC Max*.” Mas vamos ao que interessa.

O motivo pelo qual a boca foi cortada nunca é revelado ao longo do filme. O sorriso psicótico é conhecido no estudo da linguagem corporal como a contração da AU13 (Unidade de Ação 13), o músculo Angulis Oris, tão bem representado por Jack Nicholson e dramatizado na cicatriz de Ledger.

Se o Coringa de Phoenix nos dá pena e nos desperta empatia pelo personagem, o de Ledger dá medo e… nojo! Seu terno sujo, sua maquiagem mal feita e seu cabelo desgrenhado nos passam muito mais a impressão de abandono que justifica sua fala: “Eu sou só um agente do caos…” Muito mais que um flagelo social, o Coringa de Ledger é uma entidade… não o Arauto do Lumpen , mas a própria Sombra da psiquê humana encarnada. 

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Cameron Monaghan – Gotham (2014 a 2019) 

Em Gotham, o proto-Coringa passa por uma verdadeira metamorfose ao longo da trama tal como um personagem nipônico evolui. Trabalhando o arquétipo dos gêmeos (e ainda vou me discorrer sobre tal arquétipo algum dia aqui no Formiga Elétrica), a série apresenta os irmãos Jerome e Jeremiah Valeska

Não vou me alongar acerca de ambos, portanto, vamos nos ater ao primeiro. Seu aspecto deriva da HQ A Morte da Família (2016) (lançada originalmente em 2011), onde o Coringa se submete voluntariamente a uma cirurgia estética. Cortesia do Mestre das Bonecas (que, a meu ver, foi descaradamente chupinhado e num próximo artigo vou mostrar de qual personagem). O sorriso cortado fica por conta do filme estrelado por Ledger.

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Jared Leto – Esquadrão Suicida (2016)

Chegamos ao tão criticado Coringa de Jared Leto. E vou dizer a vocês que não vou criticá-lo. “O quê?”, você se pergunta aí em sua tela. Isso mesmo! Sou bastante chato e crítico, mas Leto não mandou mal. “O QUÊ?!” Sim, ele não mandou mal não. 

Embora Leto estivesse parecendo uma mistura de Marilyn Manson com MC Guimê como comentei no Formigacast de Batman vs Superman, o Coringa de Esquadrão Suicida é criticado por ter sido uma versão infiel ao personagem, quando na verdade é um blend do Coringa de Batman: Descanse em Paz (2013), HQ de Grant Morrison, com as risadas presentes em Batman: A Piada Mortal tatuadas em seu corpo. Os dentes blindados foram só pra dar o estilo gangsta.

Artigo Coringa

Joaquin Phoenix – Coringa (2019)

Depois do assustador e asqueroso Coringa de Heath Ledger, todo mundo se perguntava quem seria o próximo ou quando haveria um Coringa tão bom assim. Onze anos após o fatídico personagem ter bombado (literalmente) as telonas, Joaquin Phoenix é escalado para protagonizar um filme… do vilão! Não falei que o vilão heroico era uma tendência?

Quando assisti o trailer, pensei: “Ou vai ser muito bom, ou vai ser uma m…!”, E o filme realmente dividiu o público e a crítica, principalmente os fãs de quadrinhos e do personagem. Não que eu duvidasse da atuação de Phoenix, mas tanto a caracterização me parecia duvidosa quanto a cena das pessoas mascaradas; uma clara alusão a V de Vingança.  

O que ninguém parece ter percebido é que a evolução do personagem e toda a sua ambientação lembram a HQ De Volta à Sanidade (1995), da antiga publicação Um Conto de Batman. O trocadilho presente no nome original (Going Sane) se perde na versão brasileira e o personagem de Phoenix faz o processo contrário: go insane… A cena da entrevista no final do filme está presente na HQ O Cavaleiro das Trevas. 

O Homem que Ri (1869/1928)

Um certo personagem de um romance de Victor Hugo foi a eminência parda por trás do Coringa, tanto para as versões de Ledger, Monaghan e Phoenix quanto para o primeiro Coringa das HQs. Lançado em 1869, O Homem que Ri (L’Homme Qui Rit) não fez muito sucesso, mas se tornou um longa metragem em 1928, pelas mãos do cineasta expressionista Paul Leni. Houve até uma HQ com este título.

A história? O pai de do menino Gwynplaine traiu o Rei James II, da Inglaterra, e foi condenado à dama de ferro (instrumento de tortura que, entre outras coisas, batizou a banda Iron Maiden e serviu de alcunha nada lisonjeira a Margareth Thatcher). Para o menino, foi encomendada uma pequena “cirurgia” que o deixaria “sorrindo” pra sempre. Para ganhar a vida, ele, uma menina por quem mais tarde se apaixonou e um velho que os adotou fazem pequenos espetáculos mambembes.

O corte na boca é o detalhe presente no Coringa de Ledger. O proto Coringa da série Gotham tanto possui o corte na boca como cresceu em um circo, mas o Coringa de Phoenix é o cerne da questão levantada em O Homem que Ri. Em um determinado momento do romance, Gwynplaine exclama para um lorde: “Eu sou um símbolo. Ah, vocês tolos todo-poderosos, abram os olhos. Eu represento a todos. Eu encarno a humanidade (…)”, o que faz de ambos, tanto Gwynplaine quanto Arthur Fleck, arautos do lumpen.

 

 

 

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