A Máquina poderia ser uma singela história de amor – mas também é rica em inteligentes diálogos
Uma história de amor com ares de ficção-científica e ambientada no nordeste brasileiro. Pode isso? Não só pode, como a tal história pulou das páginas para virar peça de teatro e filme. Mas isso a gente comenta depois. Vamos começar do início, como diria a minha avó. A escritora e roteirista Adriana Falcão começou sua carreira na publicidade, um terreno fértil para os diálogos rápidos e engraçados que ela era capaz de criar.
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Logo, foi para a ficção televisiva, colaborando com alguns episódios da série A Comédia da Vida Privada, exibida pela Globo e inspirada na obra do gaúcho Luís Fernando Veríssimo. Mas o que ela queria mesmo era escrever um romance. E o fez, que não é mulher de apenas prometer.
A Máquina chegou às livrarias em 1999, pela editora Objetiva e basta um primeiro contato com um exemplar para perceber que não é apenas um romance. É prosa poética, mas também pode ser poesia que conta história. Mas a gente já volta a falar sobre a estrutura do texto. Vamos a sinopse: na fictícia cidade de Nordestina, assolada pela seca típica do sertão, vivem Antônio e Karina. Ela sonha ser atriz de novela e, assim como muitas outras moças de sua idade, não vê a hora de sair de Nordestina.
Aliás, a cidade está quase vazia, tão grande é o número de moradores que vai embora todos os dias. Só que Karina se apaixona por Antônio, um dos poucos habitantes que quer ficar na cidade. Karina ama Antônio, mas também ama a si própria, e quer, nas suas próprias palavras, “ir para o mundo” – que é qualquer coisa que seja longe de Nordestina.
É o que basta para Antônio fazer sua promessa: se é o mundo que Karina quer, ele irá trazê-lo para ela. Para isso, decide construir uma máquina do tempo que vai leva-lo até o futuro, a fim de tornar a vida na cidade mais próspera. Vai fazer isso em um programa de televisão, que é o meio de comunicação que funciona em Nordestina.
Vívidas descrições
Máquina do tempo, casal apaixonado, o desejo de mudar o futuro…nenhuma novidade, não é? O que faz A Máquina ser diferente e merecedor de leitores é justamente a forma como essa história é contada. Por sua experiência com diálogos, Adriana Falcão transforma coisas simples em poesia.
A descrição da primeira noite de Antônio e Karina é apenas um dos exemplos de como algo que em outro romance seriam linhas e linhas sobre o clima, o brilho nos olhos dos amantes e a cor do vestido da moça, torna-se a descrição do que acontece do lado de dentro. E nunca uma máquina como um corpo humano apaixonado foi descrita de forma tão bonita e divertida. E é isso que prende o leitor nas pouco mais de 100 páginas de A Máquina, lindamente adornadas pelas ilustrações de Rinaldo, que lembram as figuras da literatura de cordel.
Um ano depois de ser lançado, A Máquina foi adaptado para o teatro pela própria Adriana e seu marido na época, o diretor João Falcão. No elenco, os jovens Lázaro Ramos e Wagner Moura, bem antes de despontarem no cinema. E por falar em cinema, A Máquina também virou filme pelas mãos de João Falcão, em 2005. Não agradou a crítica nem fez grande bilheteria. Mas isso não importa, já que é no livro que está a grande história. Cada imaginação dará um rosto diferente para Karina e Antônio e para Nordestina, uma cidade com tantas características que até parece gente.
Em tempos feministas (e não seriam todos os tempos feministas? Bom, deixa para lá!), pode soar um pouco opressor um homem que promete trazer o mundo para sua amada, sendo que somos bem grandinhas para conseguirmos o mundo sozinhas. Mas em nome da poesia, até vale se fazer de sonsa e ficar sentada esperando o rapaz cumprir sua promessa. Se possível, lendo A Máquina, um livro escrito por uma grande mulher.