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Sonhos Elétricos – A essência de PKD!

Alguns dos primeiros contos do autor reunidos em Sonhos Elétricos

O leitor brasileiro não tem do que reclamar quando o assunto é a obra de Philip K. Dick. Além de tudo que a Aleph já lançou do autor*, Sonhos Elétricos (Electric Dreams) trouxe agora dez contos publicados entre 1953 e 55. Não é apenas a chance de conhecer alguns dos primeiros trabalhos de um dos maiores nomes da ficção científica, mas também uma iniciativa que apresenta as histórias curtas menos conhecidas desta carreira.

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Resenha de Sonhos Elétricos

Sonhos Elétricos

*(Leia também as resenhas de Ubik, VALIS, Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, Um Reflexo na Escuridão, O Homem do Castelo Alto, Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial e Realidades Adaptadas, esse último também tema de um podcast. Ah, não esqueça da biografia do homem)

A coletânea chegou aproveitando o lançamento de Philip K. Dick’s Electric Dreams, série do Amazon Prime, com dez episódios livremente inspirados nos contos. Não fez jus ao trabalho do autor, apesar da produção primorosa (assunto também discutido no FormigaCast), mas o material original continua relevante e vale a reflexão. A edição conta com um pequeno prefácio de cada roteirista antes de cada conto adaptado. Nada muito interessante nestas divagações, o que já era esperado, então deixemos a TV de lado e vamos direto ao ponto.

Com 256 páginas no total, cada história em Sonhos Elétricos tem cerca de 20 páginas. São narrativas bem curtas, mas profundas em suas propostas. Todas bem sucedidas em maior ou menor grau em encapsular várias angústias comuns à época que permanecem atuais. Até mesmo o que corria o risco de ficar datado por conta da Guerra Fria serve como um paralelo para o que se vive hoje.

E, claro, aquele questionamento comum de Philip K. Dick – sobre o que é real ou não – já era parte fundamental de sua escrita.

Peça de Exposição

Abrindo a seleção, somos jogados em um futuro distante que já nem se lembra de como era a vida na metade do século XX. A exceção é um funcionário da Agência de História, cujo estudo é justamente sobre a década de 1950. A fascinação pelo período e a meticulosidade na área que reconstrói o ambiente acaba transportando-o a esse passado que ele valoriza mais do que seu presente.

A saudade de um tempo não vivido dá o tom no início da edição. Hoje, personagens assim em tramas futuristas já se tornaram um clichê, mas é bom manter em mente o ano de lançamento. Enfim, a ressonância com a realidade é grande, já que não é preciso se esforçar muito para encontrar alguém cujo discurso é: “Antigamente era melhor…”

Autofab

Enquanto o consumismo desenfreado na época do baby boom era o paraíso para alguns, outros, como PKD, já enxergavam que algo daria errado ali na frente. Já encontramos a sociedade colapsada, quando um grupo tenta deter o ritmo de uma fábrica automática que suga recursos naturais para a produção contínua de bens de consumo. Para recomeçar do zero, é preciso desligá-la.

O sonho da automatização virou um pesadelo. Além de parar o processo, é preciso descobrir até onde essa rede complexa se ramifica. Certamente, este é um dos melhores contos de Sonhos Elétricos.

Humano é

Ao voltar de uma missão em outro planeta, um cientista exibe um comportamento bem diferente. O racionalismo radical e insensível que causava sofrimento à esposa é substituído por amabilidade, atenção e alegria, a ponto do exército desconfiar de uma infiltração alienígena através da substituição do humano.

Um impasse para a personagem da esposa. Neste singelo segmento, PKD faz aquela boa e velha pergunta da ficção científica sobre o significado do conceito de humanidade.

Argumento de Venda

Quem hoje se incomoda com incessantes ligações de telemarketing vai identificar-se. Um homem deseja uma vida mais simples, em outro Sistema Solar, longe da publicidade invasiva que tomou conta da vida cotidiana. O ápice deste desconforto é a visita de um vendedor robótico em sua casa, programado para fazer de tudo até que a venda se consume.

Bastante simples no conceito, mas vai direto ao ponto e o mundo atual comprova a sintonia que PKD tinha com o futuro.

O Fabricante de Gorros

Em um mundo onde telepatas são comuns, manter a privacidade se torna algo complicado. Embora algumas pessoas argumentem que gente de bem não precisa esconder nada, outros ainda sentem que perderam algum direito básico nesta sociedade. Exatamente por isso, os chamados gorros – tiras metálicas, na verdade – começam a ser misteriosamente distribuídos entre a população.

Outra jóia de Sonhos Elétricos, este conto sintetiza a problematização moderna de liberdade X segurança. Uma curiosidade é que traz o termo “homo superior”, que apareceria nas HQ’s dos X-Men nas décadas seguintes. A expressão também aparece em O Homem Dourado, que integra a já citada edição Realidades Adaptadas.

Resenha de Sonhos Elétricos

Imagem promocional do elenco estelar de Philip K. Dick’s Electric Dreams. Infelizmente, a série ficou devendo…

Foster, Você Já Morreu

A paranoia da Guerra Fria, mais a necessidade de fazer parte de um grupo, são os conceitos fundamentais aqui. Enquanto um pai percebe as armadilhas comerciais existentes no mercado de venda de abrigos nucleares, recusando-se a comprar um, seu filho está no extremo oposto. Além do medo de um inferno radioativo no caso de um bombardeio, o garoto também sofre com a discriminação por sua família não possuir um bunker no quintal.

Não só uma reflexão sobre o valor relativo de algumas coisas, sobretudo pelo status que conferem, mas também sobre o discernimento que as massas preferem não desenvolver.

A Coisa-Pai

Descobrir que seu pai foi substituído por um alienígena, parte de um plano de dominação maior, é complicado para qualquer criança. Esse talvez seja o conto mais fraco do conjunto, já que é basicamente a sucessão da descoberta, conflito e resolução em um curto espaço.

Trama comum dos filmes daquela década, como Vampiros de Almas, mas a perspectiva dos meninos minimiza o peso da situação. Além disso, sempre esperamos mais da literatura do que do cinema, principalmente quando se trata de ficção científica.

O Planeta Impossível

Quando nosso planeta já se tornou há muito uma espécie de lenda entre os humanos espalhados pelo cosmo, dois pilotos são surpreendidos por uma estranha passageira. Com 350 anos e perto de morrer, a mulher quer viajar para a Terra. Julgando-a como louca e na certeza de que tal lugar não existe, os dois pegam o dinheiro, mas a levam para um planeta qualquer.

A história traz um tipo de moral comum ao gênero e seu mérito é não deixar isso evidente no início. Mesmo que por volta da metade já se pressinta o desfecho, a pungência com que o tema é tratado confere um valor a mais.

O Passageiro Habitual

Uma narrativa que poderia ser um episódio de Além da Imaginação. Uma cidade que não existe, ou não deveria existir, mas que tomou forma em uma área de possibilidades alternativas. Essa descoberta faz um funcionário das linhas de trem perceber que a realidade é bem mais maleável do que parece. Mais até do que ele consegue perceber e acompanhar.

Muito mais próximo do Realismo Mágico do que da Ficção Científica, este conto é outro que se destaca entre os outros.

O Enforcado Desconhecido

Quando só você se incomoda com um corpo pendurado à vista de todos em uma área pública, é sinal de que há algo errado com os outros. Ou o problema seria com você? Como um simples pai de família pode mostrar para todo mundo que existe um absurdo enorme nisso, sem que ele mesmo perca o controle no meio do processo? É preciso ir fundo nesta questão para descobrir qual o propósito desta situação e quem é o verdadeiro louco.

Fechando a edição, eis mais uma narrativa perfeita para discutir nossos próprios tempos. É possível que as pessoas discordem entre si na interpretação do texto, mas não é preciso pensar muito para correlacioná-lo com algumas coisas que vemos em redes sociais.

Sonhos Elétricos é uma edição indispensável!

Apesar de ser um livro curto, a impressão deixada não é nem um pouco passageira. Honrando a relevância e o peso deste material, essa edição da Aleph não escorrega nos erros de revisão que se tornaram comuns. Isso, mais a tradução competente, valoriza o conjunto e contribui para a boa experiência na leitura.

Os iniciados vão comprar de qualquer forma em algum momento. Para o interessado em conhecer PKD é uma ótima porta de entrada, mas é indicado a todos que curtam uma bela reflexão sobre a atualidade de alguns temas.

Entre eles, nossa noção de realidade…

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