Si Vis Pacem, Para Bellum põe Star Trek Discovery nos eixos para o final da temporada
Aos poucos, e apesar das oscilações, Star Trek Discovery parece encontrar sua própria identidade como uma série trekker. Si Vis Pacem, Para Bellum nos oferece algumas interessantes perspectivas que, pelas próprias limitações dos roteiros e do desenvolvimento dos personagens até aqui, ainda não tínhamos visto. Issó ótimo por dois motivos – finalmente, temos outro episódio que consegue oferecer algo de Star Trek sem precisar fugir a trama estendida proposta pela série – como o episódio da semana passada – e porque dá fôlego para a série chegar bem ao seu primeiro final de temporada.
Entre os méritos do episódio, nós temos a primeira missão avançada da série. Antes tarde do que nunca. E a missão não decepciona. Com um time montado por Saru, Burnham e Tyler, nós temos alguns insights preciosos, que não deixam de lado a razão trekker de ser: explorar novos mundos e fazer contato com novas civilizações.
O trio investiga o desabitado planeta Pahvo, em busca de uma maneira de contornar a mais nova, perigosa e eficiente arma dos klingons na guerra: a tecnologia de camuflagem. Conforme a sequência de ação da abertura do episódio nos educa, os klingons agora têm a vantagem na guerra, já que a Federação foi incapaz de reproduzir a tecnologia Tardígrado-Stamets – e a Discovery não é capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Assim, a tal missão avançada busca na inusitada e poderosa projeção eletromagnética do planeta Pahvo uma maneira de gerar uma espécie de “sonar” espacial, capaz de detectar a presença dos inimigos. Entretanto, o planeta não é desabitado, e, como todos nós sabemos, a Primeira Diretriz precisa ser observada. Enquanto isso, na Nave dos Mortos klingon, nós temos um encontro entre a abduzida almirante Cornwell e sua interrogadora, a pária L´Rell.
A premissa do episódio – como sempre deveria ser em Star Trek, e aos poucos Star Trek Discovery parece estar aprendendo – é muito menos interessante do que sua execução, que é tudo o que nós podemos esperar de uma série trekker. Os pahvonianos são uma raça feita de energia, e atingiram o completo equilíbrio e harmonia em seu planeta – e desejam estender essa conquista para todos os povos da galáxia dispostos a ouvi-los.
Guerra e Paz, segundo Star Trek
O contato da equipe avançada com essa raça oferece algumas perspectivas muito interessantes. Saru, oriundo de uma raça de presas e predadores – e sendo uma das presas – vive em constante estado de alerta e de medo. Seu contato com os pahvonianos o permite suspender esse estado. Quando ele é ameaçado retornar à sua condição natural, ele reage violentamente. O que é uma bela reflexão sobre como seres inocentes reagem quando são acuados pela ameaça da violência e da morte.
E isso não é dito aqui em vão. Muito se falou até agora – justificadamente – sobre a natureza banal da guerra em Star Trek Discovery, e sobre o comportamento errático e insatisfatório dos representantes dos ideais da Federação nela. A reação de Saru em relação a toda a situação criada pelos pahvonianos não deixa de ser uma metáfora sobre a relação da Federação – ergo, dos seres humanos – com um estado de medo indesejado, e com o qual nós não temos outra maneira de lidar, senão com uma escalada de violência. Si vis pacem, para bellum – Se deseja a paz, prepara-se para a guerra. Nada como um romano, Vegécio, para simbolizar a situação da sitiada Federação.
Não obstante, os companheiros de Saru, Burnham e Tyler, acabam servindo como um interessante contraponto a essa mesma reflexão. O grande valor desse oitavo episódio está nos seus diálogos – muito bem escritos e pertinentes. Tyler, um personagem virtualmente inútil até aqui, acaba servindo como um espelho para algumas perspectivas.
Primeiro, em diálogo com Burnham, ele revela querer voltar para a Terra para pescar quando a guerra acabar. Parece frívolo, mas ajuda a expor a condição de Burnham – como ela mesma lembra e se faz lembrar, quando a guerra acabar, ela volta para o cárcere. Isso é muito agudo, pois torna o seu esforço para acabar com a guerra ainda mais admirável. Esse simples diálogo nos ajuda a rever a personagem, fazendo-a crescer moralmente diante do público.
E segundo, em diálogo com o próprio Saru, Tyler mostra ainda uma outra face da guerra. Ele deixa claro que, ao contrário do que dita o mais nobre espírito humano – que deseja acabar com a guerra para obter a paz em nome do bem coletivo – ele quer apenas ferir os klingons. Porque ele foi torturado, e nutre ódio pelo que ele sofreu. Isso é muito interessante e relevante, afinal, nas melhores narrativas de guerra, a perspectiva daqueles que sofreram é sempre mais contundente.
Não é o futuro utópico da Federação que vai impedir os seres humanos de ainda nutrirem – justificadamente – alguns de seus instintos mais básicos. Basta pensar que mesmo Picard – um ser humano infinitamente superior a Tyler em qualquer aspecto – quase foi quebrado quando foi torturado pelos cardassianos. A revelação de Tyler só torna a série mais humanizada, o que é um ponto extremamente positivo, mesmo que exponha a má condução dos primeiros episódios.
Em Si vis pacem temos uma excelente condução do desenvolvimento dos personagens, dentro do contexto exploratório que é o DNA de Star Trek. Não podemos pedir mais do que isso. Não obstante, a condição de Tyler ainda irá nos ajudar – a posteriori, talvez – a compreender melhor a trajetória e as motivações de Lorca, que chega ao final da temporada ainda envolto em pontas soltas, e sustentado apenas pela ótimas atuação de Jason Isaacs.
Klingon of Thrones
Já na trama klingon, nós temos mais uma reviravolta – é curioso como, apesar de exposta apenas pontualmente, a trama klingon parece tão ou mais interessante do que o resto da série. L´Rell, após se ver novamente sozinho após o exílio de Voq, chega ao final da primeira temporada de Star Trek Discovery como uma jogadora extremamente importante.
Ela se aliou a T´Kuvma, a Voq, tentou se unir a Kol, e agora neste episódio tentar desertar – apenas para falhar e colocar Cornwell numa situação aparentemente sem volta. A subtrama klingon parece ser a única parte das lições de séries modernas – leia-se: Game of Thrones – que Star Trek Discovery parece ter aprendido e aplicado bem em toda a continuidade da temporada.
Fora isso, nós ainda temos mais uma pincelada na situação de Stamets, que revela efeitos colaterais da sua bad trip de cogumelos ainda mais fortes – ele muitas vezes não sabe onde ou quando ele está (ele não chamou Tilly de “capitã à toa…). Para quem serve de motor de navegação vivo, isso pode gerar problemas – e alguns ÓTIMOS – motes para aventuras da Discovery, mesmo que isso claramente não esteja fazendo bem para o próprio Stamets.
Sendo formas de vida profundamente dedicadas à busca da paz e da harmonia, os pahvonianos acabam convidando a Nave dos Mortos dos klingons para uma conversa com a Discovery – adiantando um encontro que certamente determinará o futuro da guerra – e das filosofias que conduzem ambos os lados. Um final que oferece bastante potencial, dado que Star Trek Discovery aparenta – salvo alguns percalços – estar melhorando constantemente.
Si vis pacem, para bellum – se quer paz, prepare-se para a guerra. Estamos preparados para o final da primeira temporada de Star Trek Discovery? Saberemos semana que vem.
Não deixe de conferir nossa crítica dos episódios anteriores!