Star Trek Discovery retorna às origens de Star Trek nesse divertido episódio
Star Trek Discovery tem sido uma montanha-russa até aqui. Faltando dois episódios para o seu primeiro hiato, a temporada oscila bastante, com episódios bons, medianos – além do catastrófico e desrespeitoso último episódio. Mas, felizmente, em “Magia para tornar o homem são louco” Star Trek Discovery volta a ser Star Trek, e o gráfico de qualidade aponta para cima novamente.
E o motivo? Sem muito segredo. Quem assiste e acompanha Star Trek sabe que a franquia pode ser muitas vezes intensa, emocional, cheia de ação e aventura. Mas ela é essencialmente baseada em dois pilares: ciência e diversão. Discovery ainda patina nesse sentido, insistindo em um arco maior para conectar os episódios, e insistindo também em desenvolver seus personagens de um ponto de vista aproximado, dando ares desnecessária e enfadonhamente novelescos para a série.
“Magia” é um bom exemplo do quanto esse tipo de proposta fica aquém do que Star Trek realmente pode ser. Porque é um episódio que desenvolve a trama e a personalidade dos seus protagonistas, ao mesmo tempo em que oferece diversão contínua dentro de um contexto inexoravelmente sci-fi. Assistir “Magia” pode ser meio frustrante até, porque a reação inicial ao término do episódio é perguntar “por que vocês não fizeram isso desde o começo”?
Depois de calamitosamente tentar explorar sua natureza vulcana no último episódio – um fracasso monumental, reforçamos – agora nós vemos Burnham forçada para fora da sua zona de conforto: confraternizando com seus colegas de tripulação, e tentando se aproximar de seu lado humano. Quando surge uma oportunidade de desenvolver seu relacionamento com o recém-chegado chefe de segurança Tyler, algo acontece.
E o que acontece tem nome, sobrenome e mais um nome: Harcourt Fenton Mudd. O trapaceiro mais querido da galáxia retorna após alguns episódios para executar sua vingança contra Lorca, após este te-lo deixado para trás na prisão klingon para ser torturado. Mudd dispõe de um estranho aparelho temporal que o permite manter a Discovery e toda sua tripulação em um mesmo loop temporal de trinta minutos. Ele irá usar esse aparelho para forçar Lorca a entregar o segredo da Discovery, que agora nós sabemos estar vencendo a guerra.
Os klingons estão dispostos a pagar uma fortuna por isso, e Mudd está disposto a fazer da vida de Lorca um inferno para conseguir o que quer. Inclusive mata-lo. Várias e várias vezes.
O ponto fora da curva para resolver esse imbróglio é o Tenente Stamets. Cada vez mais afetado pela sua experiência com o motor de esporos, Stamets agora descobre algo bastante interessante sobre a sua própria natureza: ele existe fora do fluxo normal do tempo, o que o permite lembrar de tudo o que aconteceu todas as vezes em que o tempo reinicia.
Assim, ele busca a ajuda de Burnham, que busca a ajuda de Tyler para resolver a situação. Eles tem que correr contra o tempo – algumas vezes – para conseguir libertar a Discovery e capturar Mudd.
O conceito de loop temporal não é novidade nem em Star Trek. O episódio Causa e Efeito, da quinta temporada de A Nova Geração – provavelmente a melhor temporada já feita de qualquer série – já explorou esse tema. Mas não é importante. A felicidade é ver em Star Trek Discovery, como dissemos no início, um episódio de Star Trek que parece Star Trek. A ciência é mais ou menos exata, mas ainda é bastante interessante: o fundamento da coisa toda ainda é um chamado paradoxo “boot-strap“, ou paradoxo causal, em que você precisa de um elemento externo ao loop para resolve-lo. No caso, o Tenente Stamets.
De toda forma, a ideia de nexo causal irrelevante provoca algumas ideias bem exploradas pelo episódio: Mudd provoca uma verdadeira carnificina toda vez que o tempo reinicia – com direito a uma montagem hilária de várias mortes de Lorca. Mas, se o tempo se reinicia, essas mortes realmente aconteceram? Ele pode ser julgado por algo que fez, mas que não aconteceu?
Ou o fato de Stamets e ele próprio se lembrarem das inúmeras vezes em que ele matou a todos – inclusive a si mesmo – constitui um crime à parte? Na verdade, todas as vezes em que o tempo se reinicia, e ambos lembram que isso aconteceu, nós poderíamos dizer, de fato, que ambas as linhas temporais aconteceram e não-aconteceram. Quando Spinoza e Schrödinger dão as mãos em um episódio de Star Trek, que ainda consegue ser divertido, você sabe que a coisa entrou nos eixos.
Rainn Wilson volta a roubar a cena com seu Mudd. Inicialmente, nos parece uma versão mais sombria do personagem, um vilão mais implacável. Mas o plot twist no final acaba surpreendendo a todos fazendo o simples e elegante: prestando as devidas homenagens para a Série Clássica, e ainda encerrando as consequências do ocorrido no episódio em si. E sim, reforçamos – um episódio baseado em loop temporal, mas com um plot twist divertido e coerente no final. É para isso que nós estamos aqui, galera.
Ainda existem algumas pontas soltas – como Mudd fugiu da prisão klingon, onde ele arranjou um aparelho daquele, por que Burnham parece mais ciente de cada reebot se ela existe dentro do fluxo normal de tempo, e o que diabos está acontecendo com Stamets, porque raios a tripulação de Lorca está dando uma festa, se semana passada o seu único “amor” foi capturado e provavelmente está sendo torturado pelos klingons – nada disso se explica. Mas, perto da conquista que “Magia” representa para Star Trek Discovery, também não importa.
Primeiro, porque as primeiras questões são apenas uma desculpa para o episódio poder acontecer, e tendo esse sido muito bem executado, dá para relevar. Segundo, porque a questão sobre Stamets está sendo claramente conduzida para se tornar um cliffhanger da temporada – minha aposta é a de que esse episódio sobre linhas temporais alternativas irão se conectar de alguma forma ao Universo Espelho.
E terceiro, porque esse episódio foi extremamente divertido, leve, e nós pudemos ver um pouco mais desses personagens com os quais nós ainda estamos nos envolvendo em uma situação diferente. E a maneira como eles reagiram a essa situação nos dá esperança de que eles venham a se tornar grandes personagens, com os quais nós iremos nos importar e torcer por. Especialmente Burnham, finalmente abraçando um pouco mais outros tons que não “emo-deprê” da nave, e Stamets, que oferece mais e mais possibilidades para a série.
Ou seja, quando os os produtores decidiram fazer de Star Trek Discovery um Star Trek – ciência, diversão, personagens de um ponto de vista mais variado – a coisa funcionou. Os episódios 4 e 5 já tinham proporcionado um pouco mais disso, mas “Magia” parece ter encontrado o equilíbrio perfeito, e é facilmente o melhor episódio até aqui – compensando (um pouco) o colossal tropeço de semana passada.
Faltam dois episódios. Vamos esperar que a lição tenha sido aprendida. Senão, é melhor fazer como Mudd, e recomeçar a bagaça toda depois que ela explodir…
PS: Reflexões de um fã muito ranzinza – na Enterprise-D eles tinham concertos de Bach para se divertir. Na Discovery tem baladinha. Blah.
Não deixe de conferir nossa crítica dos episódios anteriores!