Into the Forest I Go pontua a metade da primeira temporada de Star Trek Discovery
Star Trek Discovery chegou ao seu mid-season finale – aquela expressão gringa que designa quando eles dão uma parada na série para dar aquela cozinhada no espectador, e ver o quanto e porque ele ainda está interessado na série. No caso, o episódio nove, que pontua esse meio de temporada – Into the Forest I Go (Floresta adentro eu vou), acaba realmente servindo como um bom resumo do que tem sido a primeira temporada de Star Trek Discovery: ação, aventura, um pouco de novela e alguns sentimentos mistos.
Na trama, Lorca decide posicionar a Discovery contra o ataque dos klingos sobre o planeta Pahvo. Sabendo estar em desvantagem de poder de fogo contra a Nave dos Mortos, sua equipe decide por um plano alternativo – abordar a nave, reunir dados contra a camuflagem klingon, arrebentar a nau-capitânia inimiga e virar a guerra a favor da Federação. Para isso, quem vai botar o seu na reta é Stamets – que terá que realizar 133 microssaltos para realizar a missão.
Embora não seja um episódio ruim, ele expõe alguns dos problemas recorrentes da série. Na sua tentativa de impor um ritmo mais “alucinante” e intenso – ou seja, capaz de atrair a infinitesimal capacidade de atenção da maior parte dos espectadores contemporâneos – Star Trek Discovery acaba metendo os pés pelas mãos em relação a coisas simples.
A primeira delas, seus próprios protagonistas. Em relação a Stamets, nós até damos um desconto, afinal ele está sendo claramente mais e mais afetado pela sua “viagem de cogumelos” – que, incidentalmente, e como havíamos presumido anteriormente, acaba sendo o gancho para a próxima metade da temporada. Ainda não é muito aceitável quando pensamos que ele é o namorado do médico da nave, mas vá lá. Esse arco não foi um dos focos, então, deixa passar.
Agora, o que é difícil de descer é o comportamento esquizofrênico de Lorca. Uma das características definitivas de Lorca é que ele é extremamente focado – se a missão da Federação é em relação a exploração e ciência, ele não poderia estar cagando uma montanha maior. O negócio dele é acabar com a guerra – a qualquer custo de vida necessário. Dois episódios atrás, ele quase deixou a pobre baleia espacial doente no meio do nada porque ele achou que não valia o inconveniente.
Mais alguns episódios para trás, e nós o vemos abandonando uma almirante nas mãos do inimigo, porque assim ele foi comandado (aliás, qual é o problema dos roteiristas com essa personagem? Eles só gostam de vê-la sofrer, ou é outra coisa mais séria?). Resumindo: Lorca DOES NOT GIVE A F-U-C-K. Entretanto, aqui o vemos desobedecendo uma ordem direta da Frota, colocando a nave mais preciosa em suas fileiras em um risco seríssimo, além de correr o risco pessoal de uma corte marcial por sua desobediência direta. Por que? Para defender um planeta de seres que ele não entende e com os quais ele – em tese – não poderia se importar menos.
Mas não é apenas em relação a raças distantes que esse comportamento se estabeleceu. Em pelo menos três ou quatro ocasiões ele não pensou duas antes de mandar Burnham para o meio de algum inferno – como uma nebulosa radioativa – mas aqui, surpreendentemente, ele parece relutar em deixa-la ir em uma missão para a qual ela é obviamente uma das poucas qualificadas. Que diabos, Lorca? Você a trouxe para a porcaria da nave POR CAUSA disso!
É claro que nós sabemos a razão da necessidade desse discurso em relação a Burnham (que, ingenuamente, acreditávamos ter sido uma fase superada da série) – a compulsão de apresenta-la como o canivete suíço humano que protagoniza a Star Trek Discovery. A personagem estava se tornando um pouco mais interessante nos últimos episódios, conforme sua persona de mártir sofredora era deixada para trás, além de haver mais espaço para outros personagens, fazendo-a crescer na sua interação com eles.
Jason Isaacs, mais até do que Soneque Martin-Green, consegue fazer um ótimo trabalho de interpretação – com base no que vemos nos textos, a credibilidade que ainda sentimos no personagem só pode ser oriunda de uma interpretação sólida. Mas isso não dura para sempre.
Vilões para que te quero?
Sobre a trama, os escritores sentiram que precisavam amarrar algumas pontas (não precisavam), e assim o fizeram – de maneira equivocada. O que nos leva a outro problema: os vilões. Para uma raça milenar guerreira, os klingons parecem simplesmente não serem uma ameaça a ser levada a sério pelo que nos é mostrado na série. Nem sequer precisamos tocar no assunto de dois humanos não serem detectados abordando a nave (o registro de seus sinais vitais só mudado depois que eles já estão lá) – vamos observar o quadro maior aqui.
Quando Lorca nos diz, ao final do episódio, que a ” guerra ainda não acabou”, é difícil de entender porquê. Seus líderes caem como moscas. Em nove episódios, T´Kuvma, Voq e agora Kol foram para o vinagre – além da captura de L´Rell, que, aparentemente, realmente não está afim do rolê com os klingons mesmo. Fora isso, a nau-capitânia dos caras também voou pelos ares, e o segredo da tecnologia de camuflagem já era (não vou nem entrar no tópico da continuidade, porque já entendemos que essa palavra simplesmente inexiste em Star Trek Discovery). Então me diz, Lorca – exatamente o que sobrou para o klingons lutarem com?
Entendam, nosso problema não é com o fato de a série ser uma série de ação e aventura. É simplesmente o fato de que os textos são rasos e apressados – e nós esperamos mais do que isso dos membros da Frota. O próprio plano de abordagem da nave, embora renda algumas boas sequências de ação, além da resolução de arcos importantes de história, é equivocado. Precisamos colocar os sensores na nave? Ative os sensores, force a camuflagem, mantenha a mesma estratégia, e eles ainda venceriam – sem arriscar a vida de sua intrépida protagonista. Mas qual seria a graça disso, certo?
Existem coisas boas no episódio, sim – como dissemos, a ação é muito bem feita. Ver a Discovery em ação full power é bem divertido. O arco do Tenente Tyler – que caiu de para-quedas no meio da história e não parecia muito interessante – está sendo, de fato, uma das coisas mais instigantes a serem acompanhadas, principalmente agora que temos noção real e visceral da extensão do seu trauma; incidentalmente, um tema extremamente interessante a se trabalhar hoje em dia. Stamets acaba de se tornar um personagem ainda mais interessante – mesmo seu relacionamento com o Dr. Culber, dentro das circunstâncias as quais Stamets está exposto, oferecem possibilidades interessantes de história.
Entretanto, se Star Discovery não decidir o que quer da vida com seu arco principal e seus protagonistas – ou seja, basicamente tudo – está fadada a ser uma série de ação sci-fi genérica. Sua primeira metade de temporada oscila bastante – tem episódios ótimos e razoáveis, mas também tem episódios ruins.
Como já havíamos dito na primeira críticas, Star Trek é uma franquia com a qual precisamos ter paciência. Existe mais de um precedente para séries trekkers que só engataram depois de um bom tempo de exibição – aí inclusa a melhor série já veiculada na TV, A Nova Geração.
Portanto, esperemos que Star Trek Discovery honre seu nome, e nos leve audaciosamente onde ninguém jamais esteve – para longe desse lugar genérico em que ela ainda se encontra.
Não deixe de conferir nossa crítica dos episódios anteriores!