Lançamento mais recente do selo Graphic MSP, Tina: Respeito é um quadrinho belo e necessário
Antes de arriscar o início de qualquer linha sobre a HQ Tina: Respeito, esta que vos escreve precisa deixar claro o motivo de seu envolvimento com esta publicação. Assim como a protagonista da história roteirizada e desenhada pelo talento da quadrinista Fefê Torquato, eu também caí de para-quedas em uma redação de jornal aos 22 anos, recém-saída da faculdade de jornalismo. Fui uma foca* tão cheia de esperança e goles de café quanto Tina. Seria meio caminho andado para ter empatia com a história. Mas as páginas do mais novo quadrinho do selo Graphic MSP (de Chico Bento: Arvorada e Cebolinha: Recuperação) trouxeram memórias mais antigas, misturadas com outras mais recentes, que nada envolvem reportagens e preparação de pautas.
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Tina: Respeito conquista os leitores, num primeiro momento, pelas imagens. O traço e a finalização em aquarela e lápis de cor usadas por Torquato têm movimento e leveza, e ela ainda fez questão de incluir, com sutileza, outros personagens criados por Maurício de Sousa. Vamos, aos poucos, reconhecendo os espaços que Tina ocupa em seu início de vida adulta, incluindo a bagunça organizada de seu apartamento de jornalista freelancer. Tem miojo como jantar, blocos de anotações por todos os lados e toda a mistura que faz parte dessa fase onde, apesar de alguns hábitos adolescentes, os boletos já estão na nossa caixa de correio e não pertencem aos nossos pais.
Só por abordar de modo agridoce os primeiros passos de uma garota no competitivo mercado da comunicação, Tina: Respeito, já seria um bom roteiro. Mas o seu subtítulo não é apenas impactante. É necessário. Com a cabeça à mil por conta dos desafios de dar conta dos compromissos que envolvem o cotidiano de uma redação de jornal, Tina é pega de surpresa quando percebe que suas noites mal dormidas são propostas por seu chefe em um outro contexto. Sim, é isso mesmo que vocês entenderam. Tina sofre assédio, assim como todas as mulheres do mundo sofrem, sofreram ou ainda vão sofrer. De diferentes formas e intensidades. Umas vão entender, outras não. Algumas vão responder, outras não. Terão as que acham que isso é normal, outras não. Todas vão se sentirem mal, mesmo achando que não.
A rua escura de todas nós
Talvez um dos momentos mais complicados para as leitoras (e também os leitores, espero eu) do quadrinho, é uma cena que parece apenas um elo de ligação entre um dia e outro na vida de Tina. Já é tarde da noite e ela sai do encontro com os colegas de trabalho cansada, sonhando com sua cama. E com extra: a rua escura e quase deserta. É quando uma personagem (encantadora, mas que não vamos dar spoiler para que você descubra lendo) a convida para dormir na sua casa. Só que isso não é um assédio, mas uma ajuda. Como o próprio diálogo deixa claro, em duas, as coisas parecem mais fáceis. Quem já fez um caminho mais longo para garantir a companhia até a porta de casa sabe bem que isso ameniza o medo. Aliás, ele é um personagem frequente não só em Tina: Respeito, mas nos quadrinhos que constroem a nossa vida.
“Mas homens também têm medo e correm perigo, Bianca!” Sim, eu sei. Mas não ao ponto de pensarem dezenas de vezes na roupa que irão vestir não por conta da vaidade, mas pelo lugar que irão e se estarão sozinhas ou acompanhadas. Ser mulher é ter medo até nas situações mais absurdas. E o que muitos afirmam ser uma aproximação comum ou mesmo uma cantada, nos faz sofrer. Porque achamos que a culpa é nossa. Porque corremos o risco de perder o emprego ou a vida, em casos mais extremos.
Prova disso foram os comentários sobre os primeiros teasers da HQ, onde sobraram opiniões sobre “a falta de curvas da protagonista” e o “mimimi do roteiro”. Até a própria Fefê Torquato virou “argumento” de alguns, como se o fato das escolhas estilísticas da artista fossem uma forma de desconstrução barata e não uma característica de seu traço que, quem acompanha seu trabalho, sabe que é autêntico desde os primeiros desenhos.
Polêmicas à parte, o que importa é a experiência que uma obra proporciona. E esta é uma HQ que tem ritmo, boas sacadas de diálogos e construção de quadros, além de um respeito à personagem original, sem precisar levar tudo ao pé da letra. A essência de Tina é a mesma de quando ela surgiu no suplemento Quadrinhos, da Folha de São Paulo, lá em 1972. Uma garota determinada, amiga fiel de Pipa e Rolo (que têm uma participação especial na edição) e que tem muito mais a oferecer do que curvas sinuosas.
Não estamos dizendo que uma personagem não pode ser sexy, apenas fica o alerta de que não é só isso que importa. Beleza é, de certa forma, descartável. Como aquele gibi onde a Mulher Maravilha está muito gata ou o Thor está exibindo os músculos e você mostra para as suas amigas e amigos admirarem uma dúzia de vezes e depois esquece em um canto qualquer. Tina: Respeito tem uma garota e tanto em suas páginas, cercada por outras mulheres tão fortes quanto ela e que, de diferentes formas, a ajudam a seguir pela rua escura com menos medo. Uma mulher digna de ocupar nossas estantes e passar de mão em mão para encorajar novas Tinas a nunca optarem pelo silêncio.