O Fio do Vento é uma HQ sobre nada – e isso lhe basta
O Fio do Vento é… uma HQ. Pronto. É o melhor que dá para fazer para resumir a sinopse da nova HQ de Camilo Solano, lançada aqui pela Editora Veneta. Esse nome, que aos poucos se consolida no cenário dos quadrinhos nacionais, tem um apreço por cenas do cotidiano e na exegese das pessoas comuns – embora com um humor pungente, direcionado às partes mais incômodas e cômicas desse cotidiano.
(Clique na imagem para comprar!)
É uma espécie de Marcelo Quintanilha “tresloucado” – para Solano, apontar o drama e talvez até mesmo rir dele parece mais natural do que nas obras do carioca, onde o drama existe per se, e carrega símbolos e significados mais profundos. Isso não significa dizer que o trabalho de Solano seja superficial; Apenas que, embora os temas que os seduzam sejam similares, sua execução difere enormemente em estilo.
E todo esse enorme e desnecessário preâmbulo justamente porque é muito difícil falar sobre a narrativa de O Fio do Vento. Ela começa já em uma situação pitoresca: um locutor em meio a uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça. Nele, uma conversa particular se desenrola, sem qualquer tipo de causalidade envolvida – ela termina mais ou menos onde começa, antes de saltar para outro ponto completamente distinto da história.
Ponto esse que apresenta um bar, onde somos introduzidos a um dos “protagonistas” da trama, Adelson, um assoviador profissional; Novamente, denota-se o gosto de Solano pelo prosaico e pouco usual. Adelson serve “meio que” como o protagonista espiritual da trama: a HQ recebe o nome de O Fio do Vento justamente como uma alegoria para um fio condutor invisível e indomável, mas compreensível e relacionável.
Estocando o vento
No entanto, qualquer tipo de centralização da trama acaba por aí. Ela salta e volta, avança e para, sempre ao sabor da própria narrativa, como se esta conduzisse a si mesmo e o autor fosse tão somente um veículo para que ela se manifeste. Conceitualmente, é uma ideia singela e bela, muito embora sua execução, como dito anteriormente, transite entre gêneros, aí inclusos tanto os dramas cotidianos quanto um humor mais escatológico – para não deixar escapar a declarada e maior influência de Solano, Robert Crumb.
A inquietações terrenas dos personagens assim como algumas presenças e ocupações bastante particulares – além de um assoviador profissional, temos até um pintor envolvido com filmes pornográficos – aproximam O Fio do Vento de algo parecido com uma crônica de Nelson Rodrigues. O que não deixa de ser, novamente, uma aproximação de Solano com Quintanilha, o que é, sem nenhum demérito, um grande reconhecimento.
Mas, no geral, O Fio do Vento acaba sendo uma obra mais leve do que as dos autores supracitados. A impressão final é a de que Solano, aqui, está mais se exercitando do que propondo alguma coisa. Para um leitor incauto ou casual, parece muito mais um trabalho de desenhos sofisticados sobre uma narrativa abstrata, para que a HQ pudesse concluir a si mesma sem grandes afetações ou reflexões. Não é exatamente um exercício formalista, mas seu maior deleite é na fruição pela forma mesmo.
Até porque é preciso destacar a magnífica arte de Solano. Evocando novamente seu mentor, Crumb, Solano constrói belas imagens em preto e branco, alternando uma imersão profunda em traços detalhados e uma diagramação minimalista que valoriza a fluidez das formas e da progressão da narrativa. Splash pages dividem um espaço quase igual ao de páginas majoritariamente vazias. O Fio do Vento, embora talvez não seja a obra mais acessível do autor, é um bom atestado de um quadrinista em plena forma.
Sendo assim, o veredicto final é: Gostamos da HQ. Por quê? Porque sim.
Tal qual O Fio do Vento, é assim por que é. E tá bom assim.