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Silvestre – Existe beleza no caos…

Uma exploração profunda da forma e do conteúdo em Silvestre

Na ficção, o uso de um ambiente selvagem como metáfora, representando o interior de um ou mais personagens, não é incomum. Nada mais conveniente, quando é preciso retratar algo tão multifacetado quanto a nossa psiquê. Seja nos Quadrinhos ou qualquer outra mídia, o recurso é uma opção interessante, rendendo bastante nas mãos de quem sabe a complexidade envolvida na tarefa. No caso de Wagner Willian e seu Silvestre, ainda vai além disso.

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Resenha da HQ Silvestre

Wagner encantou com o lirismo de O Maestro, O Cuco e A Lenda, HQ nascida durante a elaboração de Silvestre, que acabou adiada naquele momento. Tanto melhor, já que os leitores – que conhecem algo ou muito de seu trabalho – podem agora conferir um amadurecimento incrível. Não que ele já não tivesse uma voz forte e indiscutíveis qualidades como autor, mas a impressão é que tudo que ele fez antes foi uma espécie de laboratório para esta obra prima.

A HQ, publicada pela DarkSide com a excelência gráfica de sempre, é incrivelmente simples em uma sinopse. Temos um velho caçador solitário, vivendo isolado em uma floresta. A melancolia da velhice é sacudida por uma estranha reunião de várias entidades da floresta, dentro de sua cabana. Colocado desta forma, parece que não há muito dizer, mas as primeiras páginas já desmentem essa suposição.

Na relação entre os mistérios desta floresta e o interior de seu protagonista, a interpretação do cenário todo como um fractal parece cabível. Porém, não é absurdo encarar a totalidade conceitual do roteiro como uma espécie de palíndromo, com uma via de mão dupla aberta entre a floresta e o caçador, natureza e homem, interior e exterior, consciente e inconsciente…. E isso é apenas uma das formas de interpretar este conjunto.

Já que o palíndromo foi citado, é conveniente ressaltar um tópico. Se em Lobisomem Sem Barba já havia uma subversão na junção de texto e ilustrações, no intuito de um apelo aos sentidos, Silvestre também vai por esse caminho. Sem qualquer preocupação com formatos narrativos tradicionais, Wagner sabe utilizar sua bagagem de artista plástico na mídia dos Quadrinhos, quebrando barreiras da imagem, tal qual Burroughs fez com a linguagem.

Multiplicidade de técnicas

Bulldogma e O Martírio de Joana Dark Side já haviam evidenciado duas coisas. A veia anarco narrativa e um repertório com influências de fora das HQ’s. Normal que encontremos essas mesmas características aqui, com os olhos do autor mais voltados para folclores e mitologias diversas. Mesmo assim, não podemos dizer que não há novidades e ousadia na comparação.

Silvestre chama atenção pela gama de técnicas empregadas ao longo do álbum. A visceralidade do texto encontra um paralelo notável em meio a essa travessia composta por lápis, nanquim, óleo, óxido de ferro e até sangue. Sim, sangue que acabou utilizado graças a um leve e feliz acidente com o autor. Essa disposição em experimentar e misturar poderia ter deixado o álbum com cara de portfolio, mas não é o que acontece. Tudo funciona a favor da história.

Resenha da HQ Silvestre

Cada técnica é empregada de acordo com a natureza da sequência. Com momentos mais tranquilos e absolutamente caóticos e violentos, as imagens traduzem perfeitamente o clima e evocam sentimentos profundos. O sagrado e o profano ganham vida nestas páginas graças a esses recursos gráficos, sendo quase impossível deixar de refletir no processo criativo de Wagner. Pode ser uma impressão meramente subjetiva e pessoal, mas o sentimento é que ele concebeu essa arte de forma inconsciente, quase que tomado por uma ou várias das entidades presentes na HQ.

Além disso, à sua própria maneira, cada página é de uma beleza espetacular. Poderiam ser enquadradas e exibidas individualmente, ainda assim evocando sentimentos complexos e quase impossíveis de verbalizar. Juntas e com o texto, ganham uma dimensão imensuravelmente maior.

Signos e arquétipos

Com a compreensão perfeita do mito como veículo dos arquétipos, Silvestre não poupa seus leitores, apesar do clima tranquilamente bucólico de seu início. O prefácio de Felipe Castilho faz uma comparação muito pertinente com Lars Von Trier. Os cinéfilos já pensam imediatamente em Anticristo e a referência é mais do que válida, principalmente em relação ao ambiente florestal.

Sem quebrar o ritmo quando precisa do gore ou escatológico, a HQ se mantém fiel à proposta. Dividida em três atos, a trama se fecha deixando inúmeros conteúdos para que o leitor reflita e, inevitavelmente, releia. É interessante pensar em como o impacto da leitura pode variar de pessoa para pessoa, resultando em sentimentos e assimilações diversas.

Com toda essa carga visual e conceitual, não é exagero dizer que Wagner Willian se igualou a outros autores de peso próximos a temas folclórico mitológicos, como Bill Willingham e até Neil Gaiman. É um passo bem largo, ainda mais levando em conta que ele é responsável pela arte.

Se ainda não leu, leia Silvestre o mais rápido possível. Você pode até não estar dentro de uma floresta, mas a floresta sempre esteve dentro de você.

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