Hamlet em quadrinhos por autores brasileiros
Sem dúvida nenhuma, “Ser ou não ser?” é uma das citações mais conhecidas em toda a História da cultura ocidental. Mesmo quem não leu a peça de Shakespeare ou assistiu a ela encenada no palco, protagonizada por um príncipe dinamarquês em busca de vingança pela morte do pai, envenenado pelo próprio irmão por pura ganância, teve acesso a esse conteúdo em inúmera adaptações. O Cinema apresentou diversas versões de Hamlet, assim como os Quadrinhos, onde o clássico ganhou, inclusive, uma releitura em Mangá.
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A adaptação em questão aqui, Hamlet de William Shakespeare, foi produzida no Brasil. Publicada pela editora Nemo (A Gigantesca Barba do Mal, Nada a Perder) em 2013, tem roteiro de Wellington Srbek e desenhos de Alex Shibao, com 82 páginas para dar conta dos volumosos diálogos do original. Mesmo fazendo os cortes necessários para adequar ao formato, foi uma tarefa complicada. Isso porque mesmo as passagens essenciais são carregadas de diálogos ou monólogos, o que não é um problema no teatro, no cinema ou lendo a peça.
(Confira as resenha de outras HQs da Editora Nemo: Ghost World, Paciência e Lennon! )
Mas a dupla encarou a empreitada. Merece respeito pelo esforço em uma iniciativa desafiadora, mas o resultado final é um tanto frustrante. Especialmente para os já iniciados nas obras do Bardo. Com uma proposta narrativa muito convencional, a HQ já sofre neste ponto por se tratar de uma adaptação, pois busca um nível de fidelidade que a obriga a reproduzir as falas do original. Já que houve esse parâmetro textual, seria muito conveniente um cuidado e imaginação maiores na concepção visual do álbum.
Esse formato limita bastante a experiência dos leitores, confiando demais na força do texto para funcionar, comprometendo muito o conjunto. Não há sinergia entre palavras e imagem. Onde caberia a ousadia e experimentação, até por ser um terreno já explorado de diversas formas, a HQ entrega apenas ilustrações para a história, quase desprezando o potencial dos Quadrinhos como linguagem.
Fluidez comprometida
A arte de Hamlet de William Shakespeare tem traços firmes e caprichosos. Uma qualidade, evidentemente, mas é preciso reforçar que uma narrativa visual diferenciada era necessária. Isso levando em conta a própria natureza da obra original, cujo incidente que coloca a trama em movimento é a aparição do fantasma do pai do protagonista, elemento sobrenatural que não é explorado em seu andamento. Foi uma oportunidade desperdiçada de explorar o estranhamento que tais detalhes poderiam provocar.
O álbum também falha na representação da opulência real da corte da Dinamarca. Chega a dar impressão de que o tempo para a produção foi curto, impossibilitando um trabalho de pesquisa e o uso de referências. Isso é reforçado pela “atuação” dos personagens, que, salvo raros momentos, tem pouquíssima expressão corporal e facial. A escolha pouco inspirada dos enquadramentos e ângulos nos painéis se repete, comprometendo ainda mais a estrutura narrativa e atrapalhando a cadência da leitura.
No final das contas, este Hamlet de William Shakespeare pode interessar aos fãs ardorosos da obra, que sempre querem conferir o que foi feito com o original. Do ponto de vista de apresentar esse universo a um público mais jovem, parece arriscado entedia-lo e criar uma impressão mais negativa do que qualquer outra coisa. Como realização, a HQ não insulta seus leitores pela falta de qualidade, mas a falta de arrojo visual cobra um alto preço.
Em todo caso, olhando pelo lado positivo, é mais uma celebração de uma narrativa que ainda tem muito a dizer no mundo contemporâneo.