Claremont e a Fantasia medieval de Dragão Negro
Inevitável que um escritor, ou qualquer tipo de artista, se torne automaticamente associado ao seu maior sucesso. Se essa fase em questão tomou um tempo considerável da carreira, fica ainda mais difícil separar as coisas. Chris Claremont* será sempre lembrado pela sua atuação na Marvel, elevando os X-Men à condição de best-seller, o que acaba ofuscando outros de seus bons momentos na própria Casa das Ideias. Dragão Negro (Black Dragon) é um de seus outros trabalhos que merece ser conhecido.
*(Confira um texto sobre X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido)
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Lançado recentemente no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim, a HQ foi originalmente publicada em 1985 pelo selo Epic*, braço autoral da Marvel. A história se desenrola em meados do século XII e cobre a saga de James Dunreith, um nobre exilado e destituído das posses por ordem do rei Henrique II. Após a morte do monarca, Dunreith retorna à Inglaterra, mas a fama de bruxo ainda o persegue, causando conflitos potencializados pela expansão da fé cristã.
*(Também responsável pelo lançamento de Dreadstar, de Jim Starlin)
Sua volta serve aos propósitos da então rainha Leonor, que suspeita de outro nobre. Sobre Edmund DeValere, que não tem sangue galês puro, existe a suspeita de uma traição que vai além da ganância humana comum e envolve um mal antigo que coloca todo reino em risco. Dunreith, amigo de infância de DeValere, é incumbido de descobrir se essa desconfiança tem fundamento e, se preciso, acabar com a ameaça de uma vez por todas.
O protagonista ainda tem mais conflitos a resolver. Os rumores sobre sua feitiçaria, os quais ele já havia se acostumado, começam a mostrar-se mais verdadeiros do que pareciam, graças aos sonhos que ele tem com um gigantesco dragão negro. James Dunreith precisa descobrir o que isso significa e sua verdadeira origem, antes de encontrar a verdade sobre seu melhor amigo.
O volume editado por aqui tem 204 páginas, trazendo a minissérie completa, além de um glossário que contextualiza o pano de fundo histórico que Claremont utiliza. Além da mistura de alguns personagens reais com essa trama de fantasia, ele também expandiu o escopo trazendo Robin Hood e seu bando como coadjuvantes. Os elementos do folclore celta completam esse mosaico que tem inúmeros pontos para atrair os fãs de Fantasia. Mais precisamente, aqueles que apreciam o subgênero Espada & Feitiçaria.
Levando em conta o ano em que a HQ foi lançada, são perdoáveis os recursos que hoje soam datados, como os balões de pensamento. Sobre o roteiro em si, que já conta com uma boa premissa e conceitos gerais bem interessantes, não há nada particularmente brilhante nesta construção. No entanto, ainda contextualizando, a composição do personagem DeValere chama atenção por algumas contradições que o livram do unidimensional. Embora sejam detalhes que dificilmente surpreendem alguém hoje em dia, não deixa de ser um valor a se comentar.
A trajetória dos personagens e os pontos de virada são eficientes para envolver os leitores e manter o ritmo, o que já é garantia de uma boa experiência. Outro ponto positivo é que o fechamento desta trama conseguiu evitar alguns clichês que pareciam absolutamente telegrafados. O roteiro, com certeza, passa no teste da credibilidade, mas é a arte de Dragão Negro que realmente se sobressai na avaliação final.
John Bolton valorizando o conjunto
Com uma sinopse como essa, é quase automático pensar em paisagens e personagens realistas, com um detalhamento artístico clássico. Claremont contou com o também britânico John Bolton para dar vida às suas ideias e ele entregou exatamente aquilo que esperamos de uma fantasia medieval com essa ambição conceitual.
O fotorrealismo alto contrastado ganha destaque nesta edição, descartando a colorização original da HQ. O traço de Bolton sempre é reconhecível aos fãs de Quadrinhos mais dedicados, mas aqui ele tem características especiais que valem a menção. Por exemplo, pela própria temática, ele já nos remete diretamente ao Príncipe Valente de Hal Foster, honrando essa influência direta. O jogo de luz e sombra também traz algo de outro mestre de uma geração anterior a ele, ninguém menos que Burne Hogarth.
Exibindo um refinamento raro, não apenas as expressões faciais e corporais de seus “atores”, John Bolton também apresenta belas texturas que nos ajudam a imergir neste universo. A narrativa visual clássica, como convém ao tom do roteiro e ao estilo do ilustrador, cadencia os acontecimentos de forma cinematográfica e potencializa a experiência dos leitores.
Embora Dragão Negro pareça, para algumas pessoas, um lançamento mirando fanáticos por Game of Thrones (a série é até citada na contra-capa…), essa relação sequer arranha a superfície da obra. Se você acha arriscado investir em algo escrito por Chris Claremont fora dos X-Men, talvez este texto sirva como algum tipo de garantia.
Se não foi o bastante, a arte de John Bolton fala por si…