Que o nome Neil Gaiman vende bastante, todo mundo sabe. Também consideremos que a primeira coisa que vem à cabeça (de um leitor de quadrinhos), quando seu nome é mencionado, é a sua criação de maior sucesso, Sandman. O motivo de começar o texto desta forma é apenas a reflexão de que, muitas vezes, eu, você e todo mundo compramos qualquer material, livro, gibi ou filme, motivados pelo nome do(s) autor(es). Completando, quando fazemos isso, temos em mente aquela obra marcante, mais famosa e de qualidade quase sempre indiscutível, algo que gera uma expectativa inevitável. No caso de Gaiman, escritor e roteirista afeito a temas de fantasia e místicos, claro que a lembrança de Sandman pesa e continua atraente, mesmo que tentemos esquecer. Com certeza, ninguém em sã consciência gostaria que ele escrevesse apenas coisas similares às suas criações de maior sucesso, mas todo mundo espera uma qualidade textual mínima em virtude daquilo que o consagrou.
Pensando por esse viés, a compilação Dias da Meia-Noite é mais uma curiosidade do que qualquer outra coisa. Reunindo histórias variadas dentro do universo místico da DC, o encadernado traz um punhado de narrativas que até divertem no geral e tem seus momentos, mas ficam longe de algo memorável. Publicadas ao longo da década de 1990 em títulos variados, foram reunidas e relançadas nos EUA em 1999, quando Neil Gaiman já era um nome mais do que quente e qualquer coisa dele venderia horrores.
A primeira história, Jack In The Green, mostra o Monstro do Pântano do século 17, em meio à Inglaterra assolada pela Peste Negra. O texto introdutório conta que foi um dos primeiros roteiros de Gaiman, engavetado por mais de dez anos, uma informação que talvez proporcione uma tolerância maior com o material. Quem curtia o personagem na fase de Alan Moore, vai gostar dos desenhos de John Totleben e Stephen Bissette. O texto é interessante e conta com uma narrativa visual idem, mas o fim parece apressado, como se o espaço tivesse acabado.
A seguinte, Irmãos, é a mais fraca e desinteressante na edição. Como também se trata de uma história dentro do universo do Monstro do Pântano, porém sem a participação dele, quem não tem familiaridade com o personagem, e seus coadjuvantes, fica um tanto perdido. Fora isso, um personagem obscuro da DC é aproveitado numa trama que envolve o conceito de elementais, comum ao ambiente do título. Somando tudo, é um roteiro que não chega a lugar algum.
Lendo as histórias na ordem da edição, Contos de Deuses Peludos é uma injeção de ânimo, pois conta com a arte de Mike Mignola, de Hellboy. Como a anterior, também é melhor apreciada por quem conhece a mitologia do Monstro do Pântano, mas consegue superar, especialmente em termos de desenho e narrativa visual.
Chegando à melhor da coletânea, Abraço traz o carismático canalha John Constantine, na melhor fase do título Hellblazer. Com lindos desenhos de Dave McKean, mais contido na experimentação narrativa, porém, com um traço à vontade e super-expressivo, a história coloca Constantine às voltas com um fantasma que só queria algo muito simples. Não chega a ser um clássico, mas é um ótimo exemplo de roteiro curto, direto e eficiente.
Com uma boa premissa, O Teatro da Meia-Noite de Sandman é a mais longa e ambiciosa. O encontro entre o Sandman original da Era de Ouro, um detetive vigilante humano, com máscara de oxigênio e arma que dispara gás do sono, e Sonho, dos Perpétuos, é algo no mínimo curioso. A ambientação pulp do universo do Sandman original alavanca o começo da história, mantendo o interesse sobre como, porque e qual seria a consequência desse encontro, afinal, quem conhece os dois sabe que na década de 1930, Sonho estava aprisionado na Inglaterra, e Wesley Dodds, alter ego do mascarado, vivia nos Eua. Matt Wagner, roteirista da série Sandman Mystery Theatre, com o personagem da Era de Ouro, criou o argumento, o que pode explicar o tom mais detetivesco que místico. Acaba tornando-se arrastada pelo seu número excessivo de páginas, e o que seria o clímax da trama não acrescenta muita coisa. Teddy Kristiansen é um bom artista, mas uma arte menos estilizada talvez melhorasse o conjunto.
Fechando, Bem-Vindos de Volta à Casa dos Mistérios, história de humor desenhada pelo sempre divertido Sergio Aragonés, tem algumas boas tiradas à la Mad e poderia melhorar muito com mais espaço. Infelizmente, ficou só na promessa daquilo que poderia ter rendido a curiosa reunião entre talentos tão diversos.
E assim, a edição Dias Da Meia-Noite da Panini, com capa dura, 176 páginas e um preço de R$ 23,90, mesmo com o apelo do acabamento e o preço relativamente baixo, acaba sendo indicada somente aos fãs mais ardorosos de Neil Gaiman, ou àqueles que curtirem estudar o estilo do roteirista, compreendendo seu processo de criação de quadrinhos. O que dói mais é ser óbvio que o cara poderia ter feito muito melhor do que isso. Na dúvida, junte mais dinheiro e gaste com alguma edição de Sandman, onde a grife faz jus à fama.