A Grande Odalisca reúne grandes artistas conceituais em uma subversão dos seus próprios hábitos
A Grande Odalisca, lançado aqui pelo Pipoca & Nanquim, e que reúne os franceses Bastien Vivès e o duo Ruppert & Mulot, é um quadrinho de ação. Seu escopo narrativo é tão simples e direto quanto pode ser: uma dupla de ladras sensuais, Alex e Carole, são especialistas em assaltos de obras de arte. São gatunas quase imperceptíveis, mas quando esse “quase” entra em cena, elas mostram que também sabem descer a lenha quando necessário.
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Na trama, as ladras precisam recrutar uma terceira parceira, especialista em fugas, para realizar sua pièce de résistance (francês pretendido) nas artes larápias: roubar A Grande Odalisca, obra-prima do pintor neoclássico Jean-Auguste Dominique Ingres, de nada menos do o Louvre, talvez o museu mais famoso do mundo, localizado em Paris. O Louvre ostenta algumas das mais lendárias peças de arte da história do Ocidente e, exatamente por isso, é uma verdadeira fortaleza.
Alex, Carole e Sam, a nova recruta, terão que se virar para realizar e, se conseguirem, manter a peça em suas mãos. Todas as três tem personalidades bem distintas e fortes. Não possuem nenhuma motivação dramática que não realizar seus desejos e satisfações populares. As três são belas, liberais e de moralidade no mínimo flexível, com pouco apreço por muitas peças de roupa e sustentam uma constante tensão sexual pairando no ar – nos intervalos entre fugas, tiros e pancadaria.
Como já foi lembrado por aí algumas vezes, a primeira analogia que salta aos olhos é um tipo de “As Panteras” às avessas. Mas talvez seja mais interessante pensar num time formado por Eva Kant, Carmen Sandiego e Selina Kyle num roteiro escrito por Luc Besson. É um quadrinho despretensioso, que diverte com boa arte e dinamismo narrativo e não promete mais do que é capaz de entregar. O que, para todos os efeitos é o aspecto surpreendente aqui. Não tanto pela HQ em si, mas por quem participa dela.
Franceses às avessas
Bastien Vivès é conhecido do público de HQ´s brasileiro pelas publicações de O Gosto do Cloro e Uma Irmã – ambas com resenha aqui no Formiga – duas obras que apresentam uma grande sensibilidade narrativa, sutileza na escolha de narrativa visual e suas cores e um texto sempre muito mais conotativo do que denotativo. Cloro, em particular, beira uma narrativa muda. Estamos acostumados com um Vivès que trabalha com características estilísticas tipicamente francesas de quadrinhos – o que quer que isso signifique.
Já Rupert & Mulot estão debutando em prateleiras nacionais. No seu país natal, são conhecidos por características pouco convidativas para um público casual: seus trabalhos são sempre experimentais, herméticos, que primam constantemente pelo vanguardismo da forma e da técnica em detrimento de um entretenimento maior. Em outras palavras: o trabalho desse duo não é algo que você recomendaria para quem está desvendando os quadrinhos agora.
Exatamente por isso, o contraste com o teor geral de A Grande Odalisca é o que surpreende: embora não seja mal-escrito, e nem de longe mal-desenhado, o quadrinho passa muito, muito longe do que se esperaria dos artistas envolvidos. O que, para este resenhista, não é algo ruim – afinal, uma boa demonstração de domínio de um artista sobre sua forma de arte é a capacidade de explorar diversos gêneros e aspectos da mídia mantendo sua qualidade.
Dinâmica e vívida
No geral, a leitura é bastante fácil e mantém o espectador suficientemente interessado em personagens e situações que não são exatamente complexos até o fim do volume, justamente porque trabalha bem os tropos do gênero de ação, o que, venhamos e convenhamos, não deve ser algo tão fácil para quem vem da contemplativa escola franco-belga independente.
As cores e traços da arte já se aproximam mais do que esperaríamos de uma HQ francesa, de linhas expressivas e tons pastéis vívidos. As cenas de ação, por mais frenéticas que sejam, ainda privilegiam um distanciamento – na maior parte do tempo – que convida o leitor a sempre manter em foco o todo, e não ações e closes particulares nos momentos frenéticos. As aproximações são reservadas – de forma bastante efetiva – para os momentos mais sensuais do quadrinho. É sério quando dizemos que é incompreensível como Besson ainda não transformou isso aqui na sua nova investida em femme fatales. Sorte da Milla Jovovich.
A Grande Odalisca é um daqueles quadrinhos de ação para quando precisamos nos divertir despretensiosamente. E, surpreendentemente, ele vem da França. O que isso significa? Absolutamente nada. Somente que franceses de vez em quando também curtem uma pancadaria.
E não, não vamos fazer nenhuma piada sobre a Segunda Guerra aqui…