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30 Dias de Noite – A noite ainda assusta!

30 Dias de Noite recebe edição especial digna do conceito original

Existem algumas muitas dificuldades de se trabalhar apropriadamente temas clássicos – e talvez por isso desgastados – como vampiros. O horror já é naturalmente um gênero complexo. Evocar sentimentos de pavor e ojeriza não é tão simples quanto pode parecer, principalmente em mídias onde não existe o apelo audiovisual, onde ao menos um jumpscare pode arrancar um susto bobo aqui ou ali. Isso se torna ainda mais difícil quando o veículo do horror possui uma imagem desgastada – desde Anne Rice e Stephenie Meyer, é difícil levar os sanguessugas a sério. Talvez por isso a saga 30 Dias de Noite ainda tenha algum apelo e dignidade: ela trata monstros como monstros.

(Clique na imagem para comprar!)Resenha de 30 Dias de Noite

E a resiliência temática da HQ de Steve Niles e Ben Templesmith é celebrada nessa bela edição de 15 anos, lançada aqui pela DarkSide – com a habitual diligência, que torna todos os seus volumes pequenas obras de arte. Talvez até um pouco mais do que o conteúdo mereça. O volume reúne a história original homônima junto com as continuações Dias Sombrios e Retorno à Barrow, contando toda a saga dos habitantes locais contra as proverbiais Criaturas da Noite.

A trama é simples e objetiva: em 30 Dias, na erma cidade de Barrow, Alaska, a longitude de sua posição faz com que, em determinada época do ano, ela permaneça trinta dias imersa na escuridão da noite. É sempre um período austero para a população, devido à ausência de luz e ao frio extremo. No entanto, um clã de vampiros finalmente vê nisso uma oportunidade: a chance de não apenas se alimentar, mas de externar seus aspectos mais bestiais de brutalidade e caça. A partir do ataque, é uma corrida contra o tempo dos habitantes da cidade, liderados pelo casal Eben e Stella Olemaun, na resistência até que o Sol nasça novamente.

Noite e mais duas vezes

Dias Sombrios e Retorno à Barrow repetem os padrões da narrativa original, emulando situações que tornaram o primeiro arco um sucesso, inclusive resgatando personagens e expandindo sua mitologia particular. E aqui começam algumas críticas necessárias. Quando se trata de elementos narrativos desgastados – como horror de vampiros – os trunfos vêm nos pequenos detalhes. Em 30 Dias, o grande pilar do sucesso narrativo é a sacada da ambientação: o que aconteceria se os vampiros não tivessem que se preocupar com a luz do dia?

Resenha de 30 Dias de Noite

A partir disso, Niles constrói uma história que, se não absolutamente original, ao menos é instigante. Ele resgata alguns clichês – a pressão psicológica do cerco de monstros que revela o pior que existe nos humanos, um clássico Romero; mas também acrescenta revisões interessantes do mito, como a presença de um vampiro ancestral que se opõe à matança pois isso exporia demais a realidade de que vampiros existem, o que seria contraproducente para a raça, visto que a situação em Barrow é uma exceção, não a regra.

A miscigenação desses elementos, associados à construção de personagens interessantes e à representação dos vampiros como seres animalescos e genuinamente assustadores, fugindo da romantização abobalhada de Rice e afins, torna 30 Dias de Noite um acréscimo válido e interessante ao cânone dos monstros. No entanto, suas continuações não acrescentam nada de novo. E, visto que a edição em questão celebra a saga como um todo e não somente a proposta original, é inevitável não apontar um certo desgaste na leitura devido à repetição de temas e padrões.

O horror de Templesmith

Ao término da leitura, o impacto da originalidade da ambientação e da representação dos monstros e do desespero do cerco já se diluiu bastante, ao ponto de questionar se era realmente necessário resgatar as continuações, e não dedicar uma celebração exclusiva do arco original. O que pesa positivamente nesse questionamento é a arte de Ben Templesmith. Coesa, original e impactante, o traço e cores do australiano dão o tom daquelas características que mencionamos anteriormente como determinantes para uma respeitável obra de horror: pavor, ojeriza, em inúmeros momentos claustrofóbica, mas, acima de tudo, inconfundível.

Embora exista ali uma evidente influência de artistas com Dave McKean e Bill Sienkiewicz, com uma forte tendência ao simbolismo e à abstração dos traços e das formas, a arte de Templesmith é única, e parece feita para ambientações de horror e suspense como Christopher Lee foi feito para o mesmo propósito nas telas.

Resenha de 30 Dias de Noite

A imersão do leitor acontece de forma quase imediata e, apesar de o design dos vampiros ser hediondamente aterrorizante, Templesmith sabe quando abstrair da forma para valorizar o sentimento. Em muitos momentos, vemos apenas sombras permeadas por splashes vermelhos – o bastante para entendermos e agonizarmos com os falecidos alimentos vampirescos. E o tratamento da editora nacional valoriza muito isso, por isso, acaba se tornando um relançamento digno de nota.

Se as continuações perdem muito da potência da história original, 30 Dias de Noite permanece tão relevante para a história dos monstros quanto 15 anos atrás. É um genuíno acréscimo em seu cânone, com um recorte que, apesar de distante e específico, ainda é incrivelmente impactante e assustador – e será ainda mais para quem estiver lendo pela primeira vez.

Mais ou menos como ficar preso numa cidadezinha por trinta dias no escuro. É impressão minha, ou está meio frio aqui?

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