Cyberpunk em cinco obras dos quadrinhos
Entre os subgêneros da ficção científica, o cyberpunk tem um apelo especial. Talvez por criar mundos mais críveis para um público que adora futuros pessimistas, com características bem reconhecíveis em nosso presente. O termo, criado por William Gibson, autor de Neuromancer, pegou, assim como esse retrato futurista que é uma espécie de herdeiro do noir. No cinema, essa combinação de “alta tecnologia e baixa qualidade de vida” rendeu algumas obras memoráveis. A mais lembrada talvez seja Blade Runner, cuja continuação acaba de estrear. Aliás, confira esta lista de filmes que interessam a qualquer fã do filme.
Mas e os quadrinhos cyberpunk? Já falamos de Ghost in The Shell, mas resolvemos listar alguns exemplos de obras nesta linha, de estilos e abordagens bem diferentes entre si, com resultados variados. Ainda assim, todas são interessantíssimas e rendem um bom papo, seja nos méritos visuais ou conceituais.
Confira!
5- Ronin
Entre 1983 e 84, Frank Miller se preocupou em mostrar à grande indústria que existiam outros caminhos artísticos para os quadrinhos mainstream. Fã declarado do mangá Lobo Solitário, ele não apenas trouxe algo do estilo nipônico, mas também se valeu da cultura japonesa em Ronin, ideia que a DC bancou. A história do samurai que reencarna em um deficiente físico na Nova York futurista, porém decadente, mostrou um virtuosismo narrativo, criando algo cinematográfico em suas páginas. Corporações mandando demais, clima com toque oriental, tecnologia extrapolada e um povo oprimido. Todos os ingredientes estão lá.
Ainda que se perca bastante conforme avança em seus capítulos, o valor de Ronin é inquestionável. Tanto que até dedicamos um Formiga na Tela a essa obra.
4 – Nathan Never
Um exemplar dos fumetti da Bonelli pouco lembrado por aqui. Nathan Never é claramente inspirado no protagonista de Blade Runner, mas suas histórias tem traços e homenagens a outras produções hollywoodianas, assim como clássicos da literatura sci fi. Criado em 1991 por Antonio Serra, Bepi Vigna e Michele Medda, a série teve vários desenhistas, iniciando com Claudio Castellini.
Nathan Never perdeu sua família ainda muito jovem, graças a um ataque da Yakuza. Iniciou uma carreira militar, depois tornando-se policial. Casado e pai de uma filha, tem sua esposa assassinada e a menina raptada, que é salva, mas acaba catatônica em um sanatório. A tragédia o leva a afastar-se de tudo, mas acaba aceitando trabalhar na Agência Alfa para pagar o tratamento da filha. Este é o ponto de partida da série, cujo protagonista tem a particularidade de colecionar objetos de um tempo que não viveu, como discos de vinil.
Futuro semi-distópico, onde o combate ao crime é dividido entre a polícia e corporações privadas, com espaço para discussões sobre discriminação e outros problemas sociais. O personagem já foi publicado no Brasil pela editora Globo, em um formato idêntico ao italiano que, infelizmente, durou apenas oito números entre 1991 e 92, Ediouro e Mythos.
3 – Transmetropolitan
Inicialmente saindo pelo selo Helix da DC, exclusivo para HQ’s de ficção científica, Transmetropolitan, migrou para a Vertigo. A série de Warren Ellis e Darick Robertson teve 60 números publicados entre 1997 e 2002, lançado no Brasil em seis volumes pela Panini. O protagonista Spider Jerusalem é uma homenagem ao pai do jornalismo gonzo, Hunter S. Thompson, apresentado ao leitor como um eremita barbudo (Alan Moore?) quando a história começa. Decidindo retornar ao trabalho e livrando-se do cabelo e da barba (Grant Morrison?), Spider se mete a procurar a verdade em um futuro que potencializou nossos problemas de hoje. Manipulação genética voluntária e a segregação deste grupo é só a ponta do iceberg do primeiro caso.
Com a ficção científica servindo como um pano de fundo para discutir o papel da imprensa e a ética do poder, o futuro mostrado em Transmetropolitan está muito longe da utopia. Claro, pois se assim fosse, Spider Jerusalem não teria muito o que fazer e poderia continuar vivendo nas montanhas.
2 – Hard Boiled
Publicada pela Dark Horse entre 1990 e 92, Hard Boiled não só é uma HQ de um bom momento de Frank Miller, como também é uma das inspirações visuais e conceituais de um grande sucesso cinematográfico do fim daquela década: Matrix. Contando com um desenhista como Geof Darrow (que também trabalhou no filme), com um talento insano na criação de maquinário e destruição, com a maior quantidade de detalhes possível, a HQ tem em seu visual seu maior trunfo, dando vazão à agressividade do roteiro.
Máquinas pensantes, realidades fabricadas e muita violência colocam o leitor em uma montanha russa sensorial. Quando um simples investigador de seguros, um cobrador de impostos psicopata e um modelo avançado de vida artificial tem mais a ver entre si do que se poderia imaginar, é sinal de que as coisas não vão muito bem neste futuro. Lançado por aqui pela Devir.
1- The Long Tomorrow
Enfim, o grande Moebius marca presença no primeiro lugar da lista. Não estamos falando de qualquer HQ, mas daquela que é a maior influência visual de Blade Runner. Publicada em 1976 na Metal Hurlant, The Long Tomorrow integra a coletânea O Homem é Bom? da editora Nemo. Se você achou curioso o ano de lançamento, sendo que o cyberpunk começa no começo da década seguinte, o próprio William Gibson reconheceu a HQ como uma espécie de precursora.
Elaborada por Dan O’Bannon, que estava em Paris e encontrou o desenhista francês por conta da produção do mítico Duna de Jodorowsky, a HQ é uma grande homenagem ao noir, referenciando os clichês do tradicional gênero policial norte-americano. Narração em off, femme fatale, mistério, detetive de sobretudo…Todos os elementos principais entraram neste cenário futurista, com uma trama irônica envolvendo o roubo do cérebro do presidente.
O’Bannon já tinha, inclusive, feito desenhos preliminares da HQ, cuja ideia encantou Moebius, que pediu sua permissão para reinterpretá-la. O resultado, apesar de curto, é um dos quadrinhos mais influentes de todos os tempos. Até mesmo o probe droid de O Império Contra-Ataca pode ser encontrado em seus cenários super detalhados.
É isso? Gostou da nossa seleção cyberpunk? Queria que alguma outra estivesse na lista? Procuramos selecionar aquelas que foram publicadas no Brasil, mas nada impede que façamos uma lista das inéditas por aqui. Comente aí!