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Ubik – Até que a morte (não) nos separe!

Ubik

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Não é pouca coisa integrar uma lista de maiores romances em língua inglesa, de 1923 a 2005, organizado por uma publicação de prestígio, caso da revista Time. Ainda mais quando o tal livro pertence a um gênero não muito celebrado nos meios literários, como a Ficção Científica. Ubik (idem), de Philip K. Dick, a quem nos referimos como PKD, pertence a esse seleto grupo, o que trouxe mais reconhecimento ao nome do escritor e aumenta a curiosidade de leitores não tão familiarizados com o segmento ou sua obra. Provavelmente, com apenas essas informações, um desavisado também poderia supor que se trata de um calhamaço com, no mínimo, 500 páginas, mas a edição da Aleph tem menos da metade.

Lançado originalmente em 1969, esse é um livro paradigmático dentro da bibliografia do escritor. A ambientação de um mundo futurista em 1992 (não reclame, pois parecia distante na década de 1960), com viagens espaciais e outras tecnologias muito extrapoladas fazendo parte do cotidiano, é bastante comum para este tipo de história, mas aqui ganha mais substância com um detalhe um tanto surreal. É possível manter pessoas em um estado conhecido como meia-vida, onde os corpos dos falecidos ficam à disposição dos parentes, que podem visitá-los e conversar com eles por períodos curtos. Tudo isso graças a uma tecnologia que permite entrar em contato com a energia residual do cadáver, acessando-a em outro plano.

Philip K. Dick (1928 - 1982)

Philip K. Dick (1928 – 1982)

Além disso, pessoas com capacidades paranormais também são uma realidade neste universo. Como qualquer um já esperaria, telepatas e precogs, estes capazes de antecipar o futuro (o termo já havia sido usado no conto O Relatório Minoritário, de 1956, presente na coletânea Realidades Adaptadas, que também foi tema de um episódio do nosso podcast), são infiltrados em diversas empresas para fins de espionagem industrial. A solução são as organizações de prudência, que, após contratadas, alocam talentos psíquicos que detectam e anulam as presenças indesejadas. Uma dessas organizações, a Runciter e Associados, dirigida por Glen Runciter, vive em constante disputa com o grupo de Ray Hollis, sempre plantando seus agentes no meio corporativo.

Runciter mantém sua bem mais jovem esposa, Ella, em um cargo de responsabilidade na empresa . O problema é que ele não a tem sempre por perto, já que ela se encontra em situação de meia-vida. Após Joe Chip, subordinado direto e amigo, conhecer uma garota com um talento psíquico sem precedentes, a mesma é contratada e um novo e estranho contrato aparece. Atender as exigências deste empregador colocará Joe Chip e seu grupo em uma situação delicada, onde a realidade parece deslocar-se para o passado e o conceito de deterioração se torna bem mais complicado de se explicar. Parece que a única solução é uma misteriosa substância chamada Ubik.

A efemeridade das impressões sobre o que é real ou não, característica muito forte da obra de PKD, está impregnada em todas as páginas, recomendando uma atenção especial a essa leitura. O título já chama atenção, fazendo uma brincadeira com a palavra “ubíquo”, termo que designa onipresença, fazendo o livro ir além da classificação óbvia de Ficção Científica que vem com o nome de seu autor. Os conceitos religiosos nas quais ele mergulharia mais fundo depois, como em VALIS, já aparecem aqui insinuados, mas não é só. Ubik também tem elementos de terror e algo de uma trama detetivesca à la Chandler. É notável como ele conseguiu manter tudo dentro de uma coesão narrativa, tornando-se um desafio a qualquer um que se atreva a adaptá-lo em um longa metragem. Seria melhor que nem tentassem, na verdade.

Ubik

Já que tocamos no assunto de uma adaptação, apesar de todos esses elementos que podem denotar algo incompreensível e travado, o texto tem uma fluidez rara para esse tipo de história, criando realmente algo que lembra o ritmo de um filme. Mesmo assim, é claro que ele exige bastante do leitor, que vai reler algumas passagens para ter certeza do que realmente aconteceu, mas isso não atrapalha a cadência dinâmica dos acontecimentos, com viradas que realmente surpreendem. Isso se torna uma virtude maior quando lembramos que se trata de um livro curto.

É possível que algumas pessoas se incomodem com a descrição de tecnologias específicas. Embora existam sacadas espertamente irônicas em relação ao custo de vida e até mesmo ao marketing consumista, caso em que a alegoria de PKD vem se tonando cada vez mais real, também temos bugigangas que nos lembram do ano em que a história foi escrita. Como essa não é a razão de ser desta trama, é possível abstrair e deixar-se levar pela jornada de Joe Chip, que tem um desenvolvimento bastante razoável para este tipo de narrativa, embora não seja esse o ponto forte do autor.

Se você nunca leu PKD, Ubik pode parecer bastante estranho. Para quem já foi iniciado, é um passeio que pedirá uma releitura em algum momento. Independente disso, é o registro de um dos maiores nomes deste segmento literário, atiçando mentes inquietas e insatisfeitas como a sua própria. E pensar que a resposta para tudo é um produto em spray…

Confira também as resenhas de outras obras de PKD, como Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o PolicialO Homem do Castelo Alto e Um Reflexo na Escuridão.

Ah, também falamos sobre a biografia do homem!

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