TOP 10 drogas ficcionais
A ficção especulativa/distópica sempre teve interesse particular na cultura recreativa das pessoas ali retratadas. Claro que esse lazer, quase sempre, envolve substâncias que alteram a percepção, sejam elas legais, proibidas, distribuídas livremente pelo Estado ou apenas toleradas por conveniência.
Baseado nisso, o escritor Jeff Noon (por enquanto, sem nenhuma obra publicada no Brasil), elaborou uma lista com seu TOP 10 das drogas ficcionais mais interessantes deste tipo de literatura. As obras que tem seu título indicado em português então disponíveis em nosso país e algumas delas já foram resenhadas no Formiga Elétrica, com um link no próprio nome. As outras são inéditas e mantivemos o título em inglês, conforme o link da matéria original, no The Guardian, traduzida na íntegra abaixo . Prontos para a viagem?
Confira!
Escritores de ficção científica estão sempre procurando trazer mudanças, seja na sociedade, na natureza do mundo físico ou na mente humana. E criar novas drogas é uma forma poderosa de induzir alteração em todos esses níveis.
Em meu próprio trabalho, eu inventei drogas como Vurt, Metaphorazine, Lucidity, Wave, Haze e muitas mais. Meu último romance, A Man Of Shadows , mostra pessoas apreciando uma mistura chamada kia, uma droga de alteração do tempo criada a partir de uma flor que só desabrocha ao entardecer.
Drogas ficcionais são foguetes em miniatura: eles levam personagens à lugares desconhecidos e estranhos. A prática de invenção de drogas vai até a Grécia antiga (Móli –de Odisseia -, Lethe) e Shakeaspeare (a poção do amor de Oberon). Aqui estão alguns exemplos modernos da farmacopeia de prazeres perigosos.
1- Soma (Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley)
Soma é usada para acalmar e tranquilizar, deixando as pessoas em um estado permanente de alegria. O Estado Mundial do romance distópico de Huxley estabelece a droga como sistema de controle, suprimindo sentimentos de rebeldia. Essa é uma droga utilizada como metáfora política, uma forma de entretenimento de massa levada ao seu nível definitivo, um substituto da religião. Em contraste, a própria jornada de Huxley através das “portas da percepção”, induzida por mescalina, deu a ele um vislumbre do mistério da pura essência do ser. Disto, só podemos concluir que ele guardou as melhores drogas para si mesmo.
2- Melange (Duna – Frank Herbert)
A droga mais famosa da ficção científica – e uma das mais poderosas -, a melange, ou “especiaria”, é encontrada no planeta desértico Arrakis e guardada por vermes da areia gigantes. Em doses pequenas, induz a um transe e aumenta a consciência sensorial do mundo ao redor. Em grandes quantidades, possibilita ao usuário viajar através das dobras do espaço. Uau! Essa propriedade a torna muito atrativa e impérios inteiros surgiram e caíram no conflito pelo controle de sua extração e distribuição. Isso é droga como mercadoria e como acesso às estrelas.
3- Substância D (Um Reflexo na Escuridão – Philip K. Dick)
Dick é talvez o mais prolífico dos inventores de drogas. Ele as utilizava como geradoras de tramas, uma fonte de energia transformadora – e uma forma de escapar da realidade, mas também experimentá-la completamente. Ele certamente colocou sua própria vida nesta pesquisa, passando semanas inteiras fora do ar. Ainda assim, os livros foram escritos. Substância D é um psicoativo, produz uma euforia inicial, que é ótima até que o usuário descubra o significado da letra D: (a seguir, os termos estão no original em inglês e sua tradução entre parênteses, pois a referência se perde no português) Despair (Desespero), Desertion (Abandono), Dumbness (Burrice) e, em sua encarnação final, Death (Morte). Aqui jaz o realismo sombrio no coração da loucura visionária de Dick.
4 – Slug (The Final Circle of Paradise – Arkady e Boris Strugatsky)
Eu estava pensando em incluir o “ciberespaço” de William Gibson na lista, pois age muito parecido com uma droga na psique humana, mas tenho que ser rigoroso. De qualquer forma, os irmãos Strugastky chegaram lá primeiro, em 1965. Slug transporta o usuário em um mundo gerado artificialmente, muito mais intenso que a realidade. As pessoas querem voltar para lá e muitos morrem repetindo as viagens, sobrecarregando seus cérebros. A tradução do título original russo é “Coisas Predatórias dos Nossos Tempos”, que resume tudo muito bem.
5- Carne Negra (Almoço Nu – William S Burroughs)
Aos que sofrem de quilopodofobia (medo de centopeias), por favor, parem de ler agora. Carne Negra é feita da carne moída de um espécime que pode chegar a cerca de um metro e oitenta de comprimento. Essa é a mais nojenta de todas as drogas ficcionais. Causa náusea extrema nos usuários, assim como os mais deliciosos sentimentos, e é altamente viciante. Escrevendo destemidamente do âmago de seu ser, Burroughs transforma seu próprio vício em heroína em uma novo tipo de narrativa, onde até a linguagem se desconstrói em novas formas.
6 – Moloko Plus (Laranja Mecânica – Anthony Burgess)
Burgess reinventa a cultura hooligan, colocando-a em uma versão distorcida da Inglaterra na década de 1960. Alex e sua gangue de drugues curtem no bar Korova e bebem seu Moloko Plus, uma bebida a base de leite incrementada com outros ingredientes escolhidos, o que explica o “plus” no nome. Os aditivos incluem barbitúricos, opiáceos e mescalina sintética. Alex explica que é como beber leite “misturado com facas “, algo que deixa você afiado. O aperitivo perfeito para um pouco de ultraviolência.
7- Beba-me (Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll)
Ou como os traficantes chamam: Alice Lisérgica Dietilamida (trocadilho com Ácido Lisérgico Dietilamida, mais conhecido como LSD). Provavelmente, esse é o primeiro contato da maioria dos leitores com o conceito de substância que pode mudar sua forma de pensar, de agir e até mesmo o formato do seu corpo. Sem a utilização precisa do Beba-me e Coma-me, nossa protagonista nunca entraria no jardim mágico pela porta minúscula. Está tudo lá esperando para ser desvendado. Então, acontece também o efeito “flashback de ácido”: alguns anos depois, Alice está vislumbrando formas no espelho…
8 – Dylar (Ruído Branco – Don DeLillo)
Essa pode ser a droga de escapismo definitiva, pelo simples fato de que remove o temor humano da morte. Logo, as pessoas ficam desesperadas para encontrar suprimentos no mercado negro da substância ainda experimental. Muitas questões filosóficas. Se não temos senso de nossa própria mortalidade, podemos continuar a nos considerar humanos? A religião teria lugar, ou a arte continuaria a ser produzida na mesma escala? Há também os efeitos colaterais, que consistem na perda da habilidade de “distinguir palavras de coisas”. A simples menção do termo “tiroteio” é o bastante para que um usuário se jogue no chão para proteger-se. Agora a coisa ficou séria.
9- Weirdcore (The Destructives – Matthew de Abaitua)
Um calmante para a alma, weirdcore leva o usuário para um nível mais baixo de sapiência, abaixo do “padrão”. Após consumir uma dose desta droga, o viciado se sente raso, menos emocional, mais como um objeto: eles podem imaginar sua pele, por exemplo, como uma mesa senciente. Isso é uma coisa boa, aparentemente. Superficialidade é intoxicante. Lembre-se que a ressaca é feroz, trazendo sentimentos de pavor inabalável. Isso pode ser a realidade batendo na sua cara. Use com cautela.
10 – Dinamite Pangaláctica (O Guia do Mochileiro das Galáxias – Douglas Adams)
Que maneira melhor de ampliar nossa queda por livros do que um copo deste vigoroso coquetel inventado por Zaphod Beeblebrox, ex-presidente do Universo? Os ingredientes incluem água do mar Santragineana, gás do pântano de Fallian e o dente dissolvido de um Suntiger Algoliano. O efeito da bebida foi comparado a “ter seus cérebros esmagados por uma fatia de limão, enrolados em torno de um grande tijolo de ouro”. Adorável. Quero o meu duplo.