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Duna – Quem controla a tendência, controla o universo!

Duna mostra a ganância humana em escala galática

Durante toda a história da humanidade, sempre tivemos um alvo de cobiça. Ouro, diamantes, o Santo Graal, petróleo e até curtidas. Em cada época, temos algum elemento que fornece poder àquele que o possui. Em Duna (Dune), temos um recorte desse lado ganancioso do ser humano em uma escala galáctica, situado em um contexto desolado e seco

Resenha do livro Duna, de Frank Herbert.

Duna em sua edição mais recente, pela editora Aleph.

Publicado originalmente em 1965, o romance de ficção-científica foi escrito pelo norte-americano Frank Herbert, ganhador do prestigiado prêmio Hugo no ano seguinte. É considerado continuamente como uma das obras mais renomadas do gênero. O livro é o primeiro de uma grande saga que se expande em mais cinco livros e um conto escritos pelo próprio autor, além de outros de autoria de seu filho, Brian Herbert, em parceria com Kevin J. Anderson (autor de Os Últimos Dias de Krypton, que já se aventurou escrevendo para o universo expandido de Star Wars Arquivo X).

A história acontece em um futuro distante, onde a organização política da galáxia parte de um império feudal, onde os feudos planetários são controlados por famílias nobres em aliança ao Imperador Padishah. Apesar da ambientação, a tecnologia no universo de Duna é retrógrada em determinados aspectos, pois os computadores foram abolidos em prol da superioridade humana, tornando-se até mesmo uma proibição de cunho religioso. Em algum momento no passado da trama, houve uma guerra entre as máquinas e os seres humanos. A partir desse evento, a humanidade decidiu que nenhum construto poderia superar a humanidade em inteligência.

Nesse universo, há uma especiaria chamada melange, uma substância cujas propriedades vão desde aumentar a longevidade de quem a ingere até promover a capacidade dos navegadores de traçar rotas seguras para as espaçonaves. Desse modo, a especiaria é responsável pelo comércio e expansão do império. Se você fez analogia com o petróleo, capaz de gerar combustível e outros produtos derivados, está correto e o próprio autor teve essa intenção.

A narrativa acompanha a trajetória do jovem Paul Atreides, filho do Duque Leto da Casa Atreides, que acompanha a mudança da família para o planeta Arrakis, única fonte da melange em todo universo. Por acordo imperial, cada Casa teria direito a reger o planeta durante um período determinado de tempo. Entretanto, a Casa Harkonnen, atual regente de Arrakis, não quer abdicar de seu poder.

Resenha do livro Duna, de Frank Herbert.

Frank Herbert, o pai da criança…

A vastidão do Universo e dos temas de Duna

Duna é uma obra tão extensa em si que uma sinopse eficaz seria tão grande quanto um prefácio –o que  já deu para perceber nos parágrafos anteriores. Mesmo que haja um protagonista e uma jornada clara, o livro de Herbert possui um vasto universo com uma dinâmica muito própria, que é justamente a riqueza deste trabalho. Arthur C. Clarke (Fontes do Paraíso, O Fim da Infância) comparou Duna a O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, pelo tamanho e detalhismo do mundo criado.

A obra discute temas densos e complexos, lidando com aspectos filosóficos que envolvem religião e política de maneira muito diferente do que vinha sendo trabalhado na ficção fantasiosa antes. Tirando aqueles que pertencem à casa aristocrata do protagonista Paul Atreides e da casa rival dos Harkonnen, nenhum outro personagem é descrito de maneira maniqueísta. Todos possuem seus tons de cinza, de modo que suas atitudes são boas ou ruins de acordo com a situação presente. Tal qual o mundo real, sempre haverá prejudicados e beneficiados com determinada artimanha. Entretanto, vítimas e opressores trocam de lugar constantemente.

Resenha do livro Duna, de Frank Herbert.

Duna já foi ao cinema pelas mãos de David Lynch. Infelizmente, o resultado não faz jus à obra ou ao talento do diretor, algo que já foi comentado em um Formiga na Tela.

Uma jornada esperada

Quando analisamos a evolução do personagem principal, temos um caminho extremamente seguro e esperado. A jornada de Paul Atreides, mesmo que eficaz, não deixa de ser relativamente fácil. Sem grandes conflitos e dilemas, o protagonista simplesmente é guiado pelo roteiro de maneira retilínea. É claro que existem as dificuldades típicas de uma aventura, mas nada que nos surpreenda. Isso pode desanimar um pouco aquele leitor que se preocupa mais com o arco dramático do protagonista.

Em compensação, a riqueza do universo de Herbert salta aos olhos e se sobrepõe às suas falhas dramáticas. Todavia, tais falhas não existem nos livros seguintes da saga, onde o caráter messiânico de Paul é tratado de forma totalmente instigante, ácida e repleta de dilemas pesados – mas isso fica para um texto futuro.

Outro ponto que pode atrapalhar um pouco o ritmo de leitura é a própria apresentação do mundo e suas regras. Não existe uma introdução ou um momento que situe o leitor de maneira efetiva. Conforme avançamos na narrativa, compreendemos aos poucos como tudo funciona. Isso faz com que os primeiros capítulos sejam um pouco confusos, mas, com persistência, tudo começa a se localizar e fazer mais sentido.

O poder contextual

A alegoria em relação ao petróleo é explícita na obra. Isso não é um demérito e o próprio autor nunca se preocupou em deixar isso como um segredo. Mesmo que hoje em dia essa temática soe talvez um tanto quanto ultrapassada, o modo como o autor conduz as intrigas e as implicações culturais permanecem atuais.

Durante a Idade Média, ao andar por uma região européia, provavelmente, as construções mais imponentes testemunhadas pelos vassalos seriam as grandiosas igrejas bizantinas, com seus surpreendentes mosaicos vitrificados e pinturas sacras, e os extravagantes castelos reais, abrigando reis, rainhas e príncipes com toda sua soberba. Atualmente, tais construções não são mais os grandes ícones de poder, mas pontos turísticos onde qualquer um pode registrar o momento com selfies.

Nos séculos XVIII, XIX e início do XX, as construções que chamavam a atenção eram as enormes fábricas, que geravam os manufaturados, sem falar da principal relíquia moderna: o petróleo. Avançando no século XX, os totens de poder passaram a ser os luxuosos prédios comerciais que arranham o céu e refletem as nuvens em suas paredes de vidro reflexivo. Mas agora, em pleno século XXI, o ícone de poder não está mais em grandiosas construções ou em um matéria prima poluente, mas no armazenamento de informação e análise desses dados. Empresas como Google e Facebook tem como fonte de seu poder a enorme quantidade bytes sobre as pessoas. Hoje em dia, informação é mais valiosa que petróleo e ouro.

Resenha do livro Duna, de Frank Herbert.

Ilustração conceitual de Duna, pelo artista Henrik Sahlstrom.

Duna é uma grande obra de ficção-científica/fantasia. Herbert criou um universo vasto e fantástico, que emula a cultura da sociedade humana em uma caixa de areia ficcional, cujos limites não são visíveis nem para os personagens e nem mesmo para o leitor. Com paradoxos religiosos e questões filosóficas densas a respeito da cobiça de nossa raça, podemos concluir que quem controla a tendência controla o universo.

Sabia que Alejandro Jodorowsky tentou adaptar Duna para a telona antes de Lynch? Saiba mais assistindo nosso videocast!

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