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Admirável Mundo Novo – A Antiutopia!

Admirável Mundo Novo

Admirável Mundo Novo

A Distopia é um dos elementos mais recorrentes na literatura de ficção-científica. Representando a antítese da Utopia, normalmente, os universos distópicos são caracterizados por um regime totalitário e opressor sobre uma sociedade que se encontra em condições lastimáveis. Mas, e quando a opressão vem a partir da própria população, e não de uma figura central? E quando a sociedade funciona em unicidade, mas não há o indivíduo como único? Como discernir se a estupidez de muitos não é, na verdade, uma espécie de democracia ditatorial?

Admirável Mundo Novo (Brave New World) é um romance escrito pelo britânico Aldous Huxley, publicado originalmente em 1932, tratando sobre um futuro hipotético em que os seres humanos são fabricados e condicionados, de forma biológica e psicológica, para viverem em harmonia com as leis e regras de uma sociedade organizada por castas.

A narrativa começa explicando como essa sociedade funciona e como os indivíduos são sintetizados e condicionados. De início, existe uma manipulação genética, depois uma manipulação psicológica de condicionamento utilizado nas pessoas quando ainda bem jovens, denominado como Pavloviano (em referência ao método de condicionamento de Pavlov no mundo real). Há também outra forma de manipulação que é chamada de hipnopedia, que consiste em ensinamentos passados enquanto a pessoa dorme. Esse adequamento – adestramento? – individualiza o ser de tal forma que qualquer tipo de vontade, desejo e sentimento são praticamente erradicados, tudo em prol da máxima produtividade. Até mesmo a sensação de vislumbre de uma bela paisagem rural torna-se abominável para que o sujeito não tenha o ímpeto de sair do grande centro urbano.

Ter filhos biológicos, sentir algo por alguém e monogamia são considerados comportamentos hediondos, pois o pensamento é que cada indivíduo pertence a todos e qualquer coisa que o desestabilize atrapalharia o pilar fundamental da produtividade. Um cenário aterrador do coletivismo extremo, afastando o ser humano de sua subjetividade particular e capacidade individual.

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Aldous Huxley (1894-1963)

Organizada de maneira a alcançar a máxima produtividade, esta sociedade diviniza a figura de Henry Ford (1888 – 1947), industrialista norte-americano que desenvolveu a técnica da linha de produção em massa, de forma que o calendário é contado a partir dessa figura (tantos anos DF, Depois de Ford) e seu nome é usado em típicas expressões que evocam alguma divindade. Ao invés de dizer “Oh Deus!”, as pessoas dizem ”Oh Ford!“. Além de Ford e Pavlov, como citado anteriormente, o livro traz outras diversas referências à figuras históricas reais, deixando claro que a obra, antes de ser um ensaio de previsão crítica, é uma visão pessimista e ácida de sua época entre guerras.

A sociedade em Admirável Mundo Novo não se encontra em uma distopia clássica onde a população está visivelmente insatisfeita ou vivendo na miséria. Aqui, temos praticamente uma Utopia, onde todos atuam em prol de um objetivo comum e a individualidade, que gera conflitos, praticamente não existe. Olhando de forma macro, é uma sociedade totalmente funcional e sem falhas aparentes. Todavia, quando nos aproximamos e temos uma noção mais detalhada desse cosmo, percebemos como esse status quo é assustador. A falta de pensamento próprio e poder de escolha faz o ser humano se rebaixar ao nível de uma engrenagem dentro do panorama frio de uma máquina, cujo objetivo é único e imutável. Dessa forma, podemos entender a obra não como uma distopia, mas talvez como uma antiutopia, pois mostra o lado cruel de uma sociedade “perfeita”.

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Henry Ford (1863-1947)

Huxley também consegue nos colocar na posição de observadores onipotentes, mesmo sem colocar muitos detalhes. Conforme os acontecimentos se desenrolam na trama, seu poder simbólico faz com que o leitor consiga ter uma visão ampla do funcionamento do organismo social apresentado no livro, a ponto de haver até um certo alívio quando um personagem considerado ”selvagem” aparece na história, nos brindando com um certo respiro dentro do sufoco do condicionamento presente até então.

Sobre a questão da predição, podemos dizer que a técnica como ocorre o condicionamento na trama ainda não se concretizou, mas seus resultados já podem ser, de certa forma, percebidos no mundo atual. É possível notar que, principalmente, não apenas nos dias de hoje, a sociedade está se dividindo em diversos grupos e subgrupos e cada um com seus dogmas e axiomas – mesmo que temporários, por mais contraditório que soe – seja em questões religiosas, políticas, sexuais, ideológicas ou até mesmo de gostos particulares. Desse modo, aqueles que apresentam um comportamento razoavelmente diferente, ou simplesmente imparcial, são alvo de represálias. Soma-se a isso também o grupo de pessoas formado por aqueles que, em sua desesperada necessidade de serem diferentes, se igualam aos demais. Esses são exemplos de como, mesmo sem um poder autoritário central, qualquer tipo de extremismo de pensamento pode apresentar características de opressão, basta ter uma maioria – localizada ou não.

Em termos estruturais, o romance apresenta suas falhas de ritmo e de desenvolvimento, algo que faz a atenção do leitor se dispersar em determinadas passagens. Por mais que atrapalhe, não é algo que altere a importância conceitual da obra, ainda mais sabendo que Huxley se preocupa muito mais com o lado crítico e filosófico do que com estrutura narrativa. Prova disso são algumas de suas palestras reunidas na ótima compilação A Situação Humana.

Admirável Mundo Novo

O livro ganhou uma adaptação homônima em 1998, com o saudoso Leonard Nimoy no papel de Mustapha Mond. Nem é preciso falar que a qualidade do filme é bem abaixo do material original.

Admirável Mundo Novo é uma obra marcante, contundente, incisiva e conceitualmente preditiva. Podemos notar seus traços na atualidade e temer suas possíveis, e prováveis, semelhanças em um futuro próximo. Os temas apresentados e o simbolismo empregado no romance fazem o leitor tomar consciência de que o mundo em que vivemos se aproxima cada vez mais de algo que não tem nada, em absoluto, de admirável.

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