Adriana Falcão revira o baú de memórias para encantar os leitores com sua prosa poética
Sabemos que não é das coisas mais agradáveis da infância perceber o clima de intimidade de nossos pais. Quantos pequenos viram a cara quando vislumbram um beijo de seus genitores, ou fazem caretas se presenciam uma declaração de amor do papai para a mamãe? Em contrapartida às reações que só Freud explica, existe um ponto da maturidade em que passamos a entender que aqueles que foram responsáveis por nos colocar nesse mundo louco também estão sujeitos à erros, inclusive erros de amor. Ah, o amor! Mesmo errado traz os seus presentes. E são os presentes dados por esse sentimento que constroem Queria Ver Você Feliz, da carioca Adriana Falcão.
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Aliás, é o Amor, assim com letra maiúscula, quem narra este romance mezzo real, mezzo ficcional. O amantes em questão são Maria Augusta e Caio, pais da autora. Munida de centenas de cartas trocadas pelos dois desde os tempos de namoro, Adriana usou sua prosa poética e bem-humorada, já conhecida por quem leu seu primeiro romance, A Máquina, para costurar estes escritos e tornar eterno o intenso romance que resultou em três filhas e duas tragédias. Sim, mesmo tendo o Amor como narrador e declarações lindas em algumas páginas, a história de Maria Augusta e Caio não é um conto de fadas.
Ele tirou a própria vida tomando uma overdose de comprimidos para dormir e, treze anos depois, era Maria Augusta quem exagerava, pela última vez, em remédios, vodca e uísque. Duas mortes traumáticas para a família, mas que tornam Queria Ver Você Feliz um livro ainda mais instigante. Nas cartas, Maria Augusta mesclava, em um mesmo parágrafo, o desejo de ver seu amado Caio ganhando o mundo, mas também sua louca paixão que o queria por perto o tempo inteiro.
Percebemos nas linhas escritas por ambos de onde vem a perspicácia dos diálogos criados por Adriana em seu trabalho como roteirista de séries como A Grande Família e Comédia da Vida Privada. Também estamos diante de uma mulher que optou por lidar com as fraquezas de seus pais de forma leve, sem buscar respostas. O importante é contar a história de Maria Augusta e Caio, sem romancear as dores e as pedras no caminho.
Ousadia
Óbvio que é impossível não imaginarmos como deve ter sido duro e terapêutico a jornada da autora pelo íntimo de seus pais. Algumas páginas deixam claro que cada palavra posta ali foi dolorida, mas necessária. Chegar aos últimos momentos do livro nos coloca diante de uma relação que pode acontecer em cada esquina, por mais que o cinema e alguns escritores insistam em nos fazer procurar por um romance ideal pela vida inteira. Jamais encontraremos, é o que a realidade nos diz. Logo, devemos aproveitar os minutos felizes e transformar em força as cicatrizes, é o que nos propõe Queria Ver Você Feliz.
Esta que vos escreve sempre teve um pé atrás com pessoas que glorificam seus familiares e afirmam que gostariam de ter vivido “naqueles tempos”, onde os relacionamentos eram mais valorizados. Primeiro, porque estes tempos nunca existiram. Amar sempre foi a maior das alegrias e o pior dos castigos desde sempre. Sinto informar que, caso você inveje o romance dos seus pais ou avós, é porque eles só lhe contaram a parte boa. Talvez Maria Augusta e Caio tenham feito o mesmo, mas o baú de cartas entregou outra versão para a filha escritora deles, que foi corajosa o suficiente para lidar com seus fantasmas e transformá-los em uma história bela e única.
Num de seus textos mais famosos, intitulado Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento, Adriana Falcão define “Ousadia” como “quando o coração diz para a coragem vá, e a coragem vai mesmo”. Queria Ver Você Feliz é ousadia extrema. Para quem o escreveu e para quem vai lê-lo.