Em Poeira Lunar, Arthur C. Clarke coloca o Homem em um dos palcos mais contemplados da Humanidade
Antes de Neil Armstrong dar seu fatídico passo na Lua em julho de 1969, o satélite natural foi palco para inúmeras fantasias e projeções dentro da mente humana. É fácil imaginar toda essa fascinação assim que contemplamos nosso pequeno vizinho celeste. Longe o suficiente para incitar o desafio e próximo o bastante para provocar, a Lua esteve presente em diversas obras que, com o passar do tempo, foram deixando de lado os elementos fantásticos para dar lugar a ideias mais voltadas para o lado científico. Poeira Lunar (A Fall of Moondust), de Arthur C. Clarke (O Fim da Infância*, Encontro com Rama) narra a história de um resgate no ambiente indômito de nosso vizinho espacial.
*Além da resenha, também ganhou um vídeo.
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Publicado originalmente em 1961, Poeira Lunar se passa em um futuro próximo, quando a Lua se torna um destino turístico para um público seleto. Um dos passeios principais é um a travessia pelos mares lunares, compostos por uma poeira tão fina que se comporta quase como um líquido. O problema começa quando a nave cruzeiro Selene naufraga na poeira do Mar da Sede, com seus vinte passageiros a bordo e sem possibilidade de comunicação ou meios para voltar a superfície.
No romance, as principais características da literatura Hard Science de Arthur C. Clarke se destacam. Desde informações técnicas sobre o terreno até as discussões calorosas entre os cientistas sobre as possibilidades de resgate e todos empecilhos. Como sempre em suas obras, o autor mostra o ser humano usando seu intelecto para avançar cada vez mais na tecnologia e no desbravamento do cosmos.
Toda empreitada apresentará desafios, problemas e incômodos. O desconhecido e o imprevisível são grandes sombras que escurecem nosso caminho e nos causa receio de avançar. Longe de ser ingênuo ou inocente, Clarke dá um toque de esperança e um empurrãozinho para a humanidade ir um pouco mais longe, tanto na tecnologia como no convívio em sociedade. Dessa vez, no ambiente lunar.
O isolamento humano
Desde o início da narrativa, o autor dá muita atenção para os efeitos do isolamento nos personagens. Mesmo que não se aprofunde em nenhuma persona, inclusive seus protagonistas, o drama do grupo como um todo preso na nau – e os métodos para aliviar efeitos tanto físicos como psicológicos – dão um tempero a mais para a trama e também um senso de urgência muito bem-vindo.
É interessante notar que esse tipo de discussão a respeito dos efeitos psicológicos de um isolamento está cada vez mais em voga diante do grande público, devido à empreitada do homem em Marte, promovida por Elon Musk. Mas, desde sempre, essa questão foi debatida tanto na literatura ficcional quanto na científica. Em Poeira Lunar, Clarke consegue mostrar, de maneira bem prática e eficaz, como o ser humano depende de sua sociedade e alguns métodos aplicáveis para prevenir alguns problemas.
Outro ponto que merece destaque é o modo como cada um dos núcleos reage à situação. De um lado, temos os tripulantes da Selene, que estão presos e isolados do resto da humanidade. Do outro lado, temos os cientistas discutindo a respeito de maneiras de resgatar a nau. No entanto, este segundo grupo possui algumas pessoas que estão mais interessadas no desafio intelectual de encontrar um meio de resgate do que em um ato heroico. Uma certa sutileza que acrescenta tons de cinza dentro de um enredo cujos personagens, normalmente, são simples condutores da trama principal.
Apesar da Hard Science de Clarke, Poeira Lunar é datado
Um dos traços mais marcantes da literatura de Arthur C. Clarke é seu uso particular da hard-science. O autor, devido a seus conhecimentos científicos, consegue colocar tecnologias e situações extremamente próximas da realidade. Problemas de troca de temperatura, pressão atmosférica e gravidade, entre outros, que os turistas em Selene enfrentam na obra, são empecilhos que realmente aconteceriam. Isso gera um valor muito grande ao romance, por ser extremamente factível.
O problema é que, mesmo que um dos pontos fortes mais salientes do livro seja essa veracidade, o cenário principal da obra – o Mar da Sede – infelizmente não existe. Vale lembrar que o romance foi publicado quase uma década antes do pouso na Lua, portanto, nosso conhecimento a respeito do satélite natural aumentou exponencialmente. Tal conhecimento compromete, em partes, com a imersão na narrativa, pois atualmente já sabemos que não existe nenhum mar de poeira na Lua para uma nave naufragar.
É claro que isso não invalida o trabalho de Clarke. Até mesmo porque, na época de sua escrita, a teoria mais plausível era que esse tipo de formação existisse na superfície lunar. Mas, para o leitor dos dias de hoje, é bem provável que esse fato gere um certo atrito na apreciação da obra.
Lua: Um palco de sonhos
Mesmo longe, fria e inóspita, a Lua sempre foi palco de diversas histórias. Luciano de Samósata, Cyrano de Bergerac, Julio Verne, Francis Godwin, Johannes Kepler e até mesmo Monteiro Lobato, foram apenas alguns autores que usaram o satélite natural como principal cenário de suas histórias.
Poeira Lunar, conta a história de um resgate neste local tão estranho e familiar para nós. Um lugar que olhamos desde crianças e nos fascinamos. Não está entre as melhores obras do autor, mas é impossível não imaginá-la como um ingresso para uma visita no nosso vizinho cósmico, dentro da mente dos leitores.
Arthur C. Clarke foi mais um dos grandes escritores a imaginar a humanidade fora de seu planeta natal. Apesar de todos seus defeitos como sociedade, no final, a coragem e intelectualidade do ser humano vencem a barreira da ignorância para ir além do que se pode ver no horizonte a olho nu. Ou, pelo menos, assim espero que seja.