Próximo do tributo, O Homem De Giz é uma obra sincera de C.J. Tudor
Autores bebem de outras fontes, isto é fato. Eu, Robô, de Isaac Asimov, influencia escritores até hoje com seu minimalismo robótico em forma de contos, Eu Sou A Lenda,de Richard Matheson, traz um estudo de personagem através de um pós-apocalipse sobrevivencialista e entediante com um final arrebatador e Ray Bradbury mesclou diversos gêneros ao seu lirismo quase sempre impecável. E assim como estes e outros grandes mestres da literatura, Stephen King também nos entregou seu quinhão de escritores ávidos por trazer suas ideias. E este é o caso em O Homem de Giz.
À sinopse: Eddie, Gav Gordo, Nicky, Mickey Metal e Hoppo são amigos de infância que passaram por um trauma ao serem envolvidos num crime. Eles precisam descobrir quem desmembrou uma garota ao mesmo tempo em que passam pela adolescência e convivem com o estranhíssimo Sr. Halloran, o professor deles, pálido como um homem de giz. Este mistério passará pelas décadas e reverberará na fase adulta do pequeno grupo, o que não vai tornar nada mais simples.
O Homem De Giz foi lançado pela Editora Intrínseca em 2018 e tem 272 páginas.
Há de se parabenizar C.J. Tudor por ter feito de uma obra com alicerces tão semelhantes a IT um projeto pessoal e intimista. Ainda que esteja longe da perfeição, consegue entreter e trazer algumas questões importantes à tona.
Sendo em Primeira Pessoa como Narrador Não-Confiável, O Homem De Giz tem como seu protagonista Eddie, também conhecido por Eddie Monstro. A narrativa varia entre o passado de 1986 e o presente de 2016 e sua memória já não é mais a mesma, o que não apenas o confunde como, claro, também faz do leitor parte das suas dúvidas. Tudor usa de uma certa inocência para tratar do protagonista, mas dosa bem com o realismo da meia-idade. É operante para os mistérios, para dizer o mínimo, assim como funciona na hora de causar correlação com quem o acompanha na história. Ser um drama com toques de terror tem lá suas vantagens.
Todos os personagens que têm uma certa relevância no grupo sofrem com alguns pontos de fardos geracionais. Nicky, a menina do grupo, vive à sombra de um pai violento, Gav Gordo é rico como o pai, mas infeliz, porém têm com um pouco menos de peso. O próprio esquecimento de Eddie vem do pai, que em 1986 ainda estava engatinhando com um Alzheimer inicial.
É impossível não tecer algumas comparações positivas à forma entre a escrita de Tudor e a de Stephen King escrever. Variações temporais, Naturalismo que escorre pelo texto, assim como as vicissitudes coexistem com a trama principal de forma orgânica e sincera. C.J. Tudor consegue fazer dos personagens pessoas vívidas. Sua maneira de transcrever o niilismo particular dando à narrativa um tom cinza é promissora. O ar melancólico, quase flertando com o sobrenatural, também acontece muito por causa da construção dos temas como bullying, abuso, aborto, guerra entre grupos juvenis e famílias alheias aos problemas de seus filhos, quase de maneira hipnótica ainda que não seja tão cheio de camadas. Não se surpreenda se esperar – e desejar – ver um palhaço sádico e apavorante saltando dos arbustos e traumatizando corações. É quase uma consequência da leitura.
Alguns momentos de violência gráfica, ainda que pontualíssimos, dão um tom satisfatório. Tudor exerce o direito de ser detalhista, chocando aqui e ali, mas usa do gore como um elemento mais tradicional aos momentos que necessita, sem grandes destaques. Ela usa do elemento surpresa para se valer da atenção do leitor e é quando as situações acontecem, importante dizer que C.J. pesa a mão. Pode ser um problema para quem tem sensibilidade maior com o grafismo da sanguinolência. Não chega a ser um demérito, afinal, obras pode se valer disto como objeto narrativo e ainda assim ter algo a dizer. E isto acontece no livro, onde a autora se dedica a contextualizar a violência em contraste com a adolescência, seus limites e descobertas.
E se falta profundidade, muito pela necessidade que Tudor tem de dar voz ativa e significativa para vários personagens numa história de menos de 300 páginas, compensa pela intensidade das características básicas de cada um. E apesar de serem simploriamente dicotômicas, dão o tom a um dos pilares do livro, que são os erros. Todos os personagens, dentro de suas imperfeições, carregam consequências de quem são. Há um pouco de tudo aqui e é muito interessante. Essa proficiência na simplicidade ajuda bastante no caminhar da trama e para trazer um senso de verdade aos acontecimentos.
Narrativamente C.J. Tudor ainda está em formação aqui. O Homem De Giz, como seu primeiro livro, carrega cacoetes de roteiro como a necessidade de hiperbolizar pessoas, polarizando-as dentro de espectros morais e algumas catarses. E isto não é sentido apenas uma ou duas vezes. Acaba se tornando um padrão, chegando às vias do previsível. Há uma diferença tremenda entre o escritor que sutilmente carrega a trama e aqueles que, mesmo esporadicamente, colocam uma assinatura nos acontecimentos principais. Isto significa, muitas vezes, saídas fáceis aqui e ali, além de um pouco de manipulação do que o leitor deveria pensar e sentir. Execrei isto em Columbine de Dave Cullen e faço o mesmo aqui. Não é tão grave ou pesado quanto o que foi feito no livro sobre o trágico massacre, mas definitivamente, foi feito.
Outro ponto que há de ser criticado é como Tudor se entrega à tentação de fazer personagens espelhados em IT. Eddie é uma conjuntura de Stanley Uris, Billy Denbrough e Eddie. Há um pouco de Richie, Mike e Ben nos outros personagens, mas em menor escala. Talvez o caso mais claro aqui seja de Nicky, que não apenas é parecida com Bervely no físico – ambas são ruivas – mas na personalidade e temperamento. Brigonas, corajosas e vítimas de relacionamentos abusivos. Não ofende aos olhos, nem a inteligência do leitor já que fica claro que a ode da autora é real, porém soa estranho a quem espera originalidade e não aquela sensação de já ter visto esse tipo de coisa antes numa obra que, sejamos honestos, é muito melhor e um clássico do horror.
Desfecho questionável
Mas talvez o que mais deixe a desejar – mais uma coincidência com a escrita de Stephen King – seja a maneira de conduzir o Clímax e o Desfecho. Os plot twists sofrem da falta de randomização. Tudo gira em torno dos personagens principais e perde o efeito realista. Aí sim estamos lendo King puro. Com uma capacidade empolgante de trazer acontecimentos estranhos, mas que peca em suas finalizações. As últimas páginas, apesar das surpresas que acompanham o gênero, pegam muito mais a quem não está acostumado a esse tipo de situação. Se o leitor tiver o mínimo de curiosidade em si, descobre tudo com relativa facilidade. Não é péssimo, porém aquém.
Isto posto, O Homem De Giz traz algumas questões sensíveis que são tratadas à toque de caixa, porém funcionam dentro do universo proposto e da nítida limitação de C.J. Tudor no livro. Percebe-se uma escritora empolgada com seu primeiro livro e que demanda trato narrativo e textual, apesar de bastante conteúdo. Dilapidar-se é um alento, mas aqui há competência no produto apresentado. O investimento emocional é parcial, as surpresas são raras e o envolvimento quase garantido pela profusão bem-sucedida de ideias, no fim das contas. Simples, mas direto ao ponto. Em tempos de leitura enlatada, isto vale muito.
OBS: Suprimi informações sobre Halloran, o professor, para evitar tratar de partes substanciais da trama que poderiam trazer spoilers.