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Columbine – A tragédia que ninguém esqueceu!

Dave Cullen apresenta um panorama denso, mas erra a transformar as vítimas em personagens

Nos EUA, Colorado, no dia 20 de abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold, dois jovens estudantes de Columbine foram responsáveis por um massacre que ficou mundialmente conhecido onde matam 13 pessoas e ferem 21. Logo depois eles se suicidam e a partir disso temos a premissa de Dave Cullen, um dos primeiros jornalistas a chegar no local da tragédia e que passou anos juntando material probatório para comprovar suas teorias acerca do assunto.

(Clique na imagem para comprar)Resenha de Columbine

Antes de mais nada é importante frisar: Se você tem alguma questão psicológica sendo tratada ou que necessita de tratamento, ou se impressiona com descrições detalhadas de violência extrema e sadismo gráfico, passe longe deste livro. Este texto é livre de descrições pesadas, mas fica o aviso para quem está pensando em ler a obra, mas que pode se sentir mentalmente fragilizado. Pense na sua saúde mental antes, se for seu caso.

O livro foi lançado no Brasil no ano de 2019 pela Editora Darkside e contém 480 páginas.

Columbine se incumbe de ser uma espécie de manual definitivo sobre o antes, o durante e o longo e doloroso depois do massacre que redefiniu os conceitos americanos de coberturas midiáticas trágicas. Dave Cullen faz um trabalho realmente minucioso das motivações de Eric e Dylan, das falhas da imprensa, da força policial que praticamente se omitiu do lado de fora da escola, das questões políticas e da beligerante luta dos familiares das vítimas em busca de informações sobre o que realmente aconteceu no meandro das investigações que pareciam nunca chegar à algum lugar. O livro tenta ser uma leitura necessária para revelar as falhas e verdades que são inconvenientes. Os detalhes não são escondidos, então se prepare para ler coisas ali que vão te acompanhar por um bom tempo. São problemas psiquiátricos em sua crueza, psicopatia, suicídio, planejamento centenas de mortes e o clima da leitura fica lúgubre. A sanguinolência choca, mas não pela elaboração visual, e sim por saber que aquilo foi real.

O grande acerto de Columbine está em esmiuçar o histórico de Dylan e Eric que antecedeu ao atentado. Há muito material que comprova a mente quebrada de ambos de maneira detalhada, além de alguns outros pontos interessantes como a sede de morte de um, enquanto outro se ressentia em dúvidas sobre cometer o ato ou não, ainda que muito tentado a fazê-lo. Não existe mais ou menos culpado entre os dois, mas é possível perceber nuances entre ambos. Esta parte do livro, definitivamente, é a mais perturbadora por contar com relatórios investigativos e psicológicos de Dylan e Eric. Cullen é detalhista ao mostrar o caminho de dois pretensos assassinos até o ato em si.

A partir daí o autor erra sucessivamente e nitidamente consciente. Apesar de uma aparente boa intenção ao falar das vítimas, peca-se de forma grosseira numa evidente novelização que não era necessária e soa muito oportunista. Fazer suspense para que o leitor descubra aos poucos se um dos envolvidos sobreviveu ou não ao atentado, na prática, capitaliza desrespeitosamente a dor alheia e passa ao leitor uma sensação terrível de culpa por dar dinheiro a esse tipo de empreitada. Chega a soar irônico como uma crítica à imprensa acaba soando tão aproveitadora quanto o objeto da crítica. Dave Cullen, sob esta ótica, é tristemente paródico.

Há também questões estruturais a serem criticadas. Além da narrativa não-linear ficar truncada e confusa, há também problemas na cadência entre diálogos e falas em Discurso Direto (Quando o narrador introduz fla de personagens por dois pontos segiudos de travessão, aspas ou parágrafo em separado) e Discurso Indireto Livre (Junção de discurso direto e indireto, mesclando fala de narrador e personagem), pois não há uma lógica linguística que se aplique ao estilo do livro. A escrita acaba sendo minuciosa apenas pela quantidade grande de pessoas envolvidas e por causa dessa crueza involuntária, ela está extremamente mal distribuída. Há cortes bruscos demais entre um sub-arco e outro, mudanças secas de cenários, período temporal e ocasiões. A investigação assim pula de complexa para complicada num espaço de tempo impressionantemente curto. Assim, a geografia do livro carece de melhor unidade e isso chega a cansar em determinados pontos.

A grosso modo, essa necessidade incessante de Cullen em passar a mesma mensagem se repete muito no início do livro, tornando os demais elementos narrativos puxados e causa um esforço a mais para uma leitura pesada como essa. Como há muito a ser dito, a disposição das informações exige tanto que em alguns momentos pode-se ficar confuso com as trocas. E não concatenar esses detalhes é algo que acontece do começo ao fim.

Resenha de Columbine

O autor Dave Cullen

A falta de tons de cinza também causa estranhamento. Há a majoritária divisão sem meios-termos e senso de irrealidade quando se fala de alguém, fazendo-a estereotipado na bondade supervalorizada, ou na maldade extremista. As dicotomias demoram a aparecer e quando surgem ajudam, ainda que de maneira extremamente pontual. Aí sim o que precisa ser dito ganha um tom mais sóbrio – e funciona – mesmo que temporariamente.

O livro permite, à certa medida, que o leitor tome lados em questões importantes como ser contra ou a favor do porte e venda de armas a menores e se uma pessoa poderia comprar armamento pesado para outra tão facilmente, mas não espere dados aqui e sim demonstrações práticas de como isso influenciou Columbine. Apesar de haver as impressões de Dave Cullen em forma de posfácio, acaba perdendo força justamente ao ser sufocado por outros temas.

Certezas vendidas como verdades e erros de revisão 

E aqui chegamos num ponto ainda mais infeliz da obra onde Cullen tenta mostrar ao leitor o que pensar de forma incisiva. Uma coisa é fato: passar o livro inteiro apresentando o que houve em Columbine e suas consequências, não é necessário subestimar seu leitor, apresentando suas verdades particulares como considerações realistas, assertivas ou universais. O livro em alguns momentos busca ser um manifesto da própria razão e nisso reside uma certa prepotência. Cullen não permite que o leitor avalie questões tão cruciais por si mesmo, mas apresentas as suas conclusões como argumentação definitiva, indicando caminhos e apontando o certo e errado.

É importante falar sobre a edição física. Existem pelo menos oito erros de ortografia e digitação ali. E é realmente estranho como uma editora do porte da Darkside consegue errar tanto em ortografia na maioria das edições. O que é uma pena, porque, de longe, é a editora que mais diversifica seu material no Brasil.

Isto posto, Columbine é uma obra com substância, mas transmitido com pouca honestidade intelectual ao usar pessoas como objeto de narrativa fictícia, absolutista ao cravar verdades e autoindulgente por usar uma tragédia para se vender como jornalismo e menos analítico ainda. Também acaba sendo engolido pela própria excesso de uma narrativa desorganizada e variações incessantes que o tornam mais um livro episódico e pouco instigante, com uma deprimente teatralização de quase todos os envolvidos. Apesar disso, há um material essencial dentro do livro que poderia ser o início de uma grande discussão sobre o papel da imprensa americana nesse tipo de tragédia e outros temas relevantes ao nosso próprio país. Uma pena mesmo que toda essa importância tenha sido banalizada e jogada fora em prol de um pastiche involuntário.

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