50 anos após sua publicação, O Gênio do Crime ainda é uma preciosidade da literatura brasileira
No último dia 17 de março perdemos, aos 83 anos, o escritor João Carlos Marinho. O autor ficou famoso ao longo das últimas décadas por escrever as Aventuras da Turma do Gordo, uma série de livros infantojuvenis publicada ao longo de quase 50 anos, e que alcançou seu sucesso máximo logo em seu primeiro livro, O Gênio do Crime. Publicado originalmente em 1969, e, segundo o autor, com mais de 1,2 milhão de cópias vendidas, a obra (que tem sua edição mais recente publicada pela editora Global) marcou gerações com uma história simples e empolgante, que mostra um mundo mais ingênuo, em que crianças agem como grandes detetives.
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Na trama, acompanhamos Bolachão, o Gordo, Edmundo e Pituca em uma São Paulo da década de 60, em meio a uma febre de figurinhas de futebol entre os jovens. Os que conseguirem completar a coleção, ganham inúmeros prêmios da fábrica que produz os cromos, mas alguns deles são tão raros que pouquíssimos garotos conseguem o feito. Até que entra em cena uma fábrica clandestina que produz as tais figurinhas em grande escala e as vendem por meio de cambistas, de forma que a maioria dos garotos consegue completar seus álbuns, levando a fábrica legítima à falência. O dono do empreendimento, Seu Tomé, após não ter nenhum retorno com a polícia, resolve chamar os três garotos para investigar o caso e descobrir quem está por trás das figurinhas roubadas.
A partir daí, O Gênio do Crime se torna uma aventura muito divertida em que os garotos correm por São Paulo atrás de seu antagonista. Suas peripécias acabam sendo insuficientes, o que faz Seu Tomé contratar outro detetive, Mister John Smith Peter Tony, um escocês com ar de Sherlock Holmes que nunca falhou na investigação de um caso e acaba guiando e competindo ao mesmo tempo com os garotos. Eles ainda recebem o reforço de Berenice, uma garota perspicaz que se torna namorada de Bolachão, e futuramente protagoniza alguns livros da série. Isso é um fato curioso nas aventuras, os personagens se alteram no protagonismo dos livros, sendo que nesse, Edmundo o divide com o Gordo.
Simplicidade atemporal
A escrita de Marinho é simples, focada nos leitores mais jovens, mas possui um ritmo e um dinamismo de quem entende muito do que está fazendo. O que é surpreendente, já que até quase duas décadas após o lançamento do livro, Marinho era um advogado em tempo integral e só escrevia nas horas vagas. É um livro curto, que te conduz pela investigação dos garotos com muita fluidez e faz o leitor não querer largar o exemplar até chegar a conclusão da história.
Hoje, temos um fator de encantamento ainda maior do que para os primeiros leitores, pois através do livro abrimos uma janela para uma metrópole já enorme, mas ainda longe de ser o que é hoje. A história de O Gênio do Crime se passa em uma São Paulo, muito diferente da retratada hoje em dia nas mais diversas obras, como Samurai Shirô, por exemplo. Um lugar em que crianças ainda podem andar pelas ruas sem nenhum tipo de medo, ou até mesmo passar a noite acampando às margens do Rio Tietê para espionar um cambista sem maiores problemas. Não é à toa que algumas edições da obra tem como subtítulo “Uma História em São Paulo”. São diversos os lugares da cidade que são mostrados no livro. até acompanhamos Gordo em um passeio pelo transporte público da cidade em sua famosa estratégia de “seguir ao contrário”. É um mundo que não existe mais e deve criar nostalgia nos mais velhos, enquanto fascina quem nunca pode vê-lo.
Marinho tem uma característica peculiar que hoje vemos muito no cinema de Wes Anderson, que trata crianças como seres ainda mais maduros e sábios do que adultos, Os pequenos são astutos e conseguem enganar o mais ardiloso dos criminosos. Seus comportamentos e suas aventuras com caráter mais sério (pelo menos na superfície), ajudaram muito a conquistar o público infantil. Que criança não gostaria de ler sobre alguém da sua idade desvendando crimes e lutando contra capangas mal encarados?
O Gênio do Crime é um livro que marcou, não apenas uma, mas diversas gerações. Não é incomum encontrar famílias em que este pequeno clássico foi passado de pai para filho. Divertido, engraçado, ágil e cheio de um charme muito particular, é uma obra citada como muito importante no cenário nacional por grandes autores do gênero, como Ruth Rocha, por mais que suas sequências nunca tenham obtido o mesmo sucesso. Um romance policial para jovens que venceu a prova do tempo e deve continuar sendo lido por muitas e muitas décadas.