O Exterminador do Futur, de Randall Frakes, é a prova de que há personalidade no mundo das adaptações literárias
Poucas marcas suscitam tanta curiosidade e apreço quanto O Exterminador do Futuro. Também, não é para menos: com seis filmes, série de TV, crossovers em quadrinhos com Superman, Robocop, dentre outros, e games. Dentre um cansaço na franquia e péssimas continuações, Randall Frakes imprime um livro interessante e com personalidade ao invés de ser apenas uma infeliz transcrição.
À sinopse: Um ciborgue da Skynet conhecido por Exterminador, modelo T-800, volta ao ano de 1984 para alterar a história matando Sarah Connor e impedindo que seu filho John Connor se torne no futuro o líder da resistência humana. Por outro lado, a resistência futurista envia ao mesmo passado Kyle Reese, um soldado humano escolhido pelo próprio John para proteger sua mãe das garras metálicas da morte.
Antes de qualquer coisa, um aviso. Vou citar o Randall Frakes como o autor do livro porque ele é o único dos envolvidos que é considerado escritor, mas como o nome de James Cameron — o criador da franquia — assim como o de Bill Wisher — roteirista dos dois primeiros longas — estão creditados na capa, serão citados aqui também. Mas considerarei Randall Frakes como o responsável pela novelização, com suas qualidades e defeitos.
Lançado pela Editora Darkside em 2015, e com 330 páginas, O Exterminador do Futuro, apenas por ser um livro adaptado, teria todos os ingredientes para ser insosso e sem vida, já que obras oriundas de filmes costumam ter pouco a dizer quanto literatura. Estes são apenas caça-níqueis de estúdios ao expandir a obra à outras mídias sem uma troca justa e honesta com os fãs e seu investimento, afinal, livros são caros. Muitas vezes, estes produtos são extremamente desidratados e que estão mais preocupados em apenas transcrever cenas do que dar uma visão própria dentro do que já foi visto. Normalmente obras assim têm pouco ou nada a agregar justamente pela falta de experiência narrativa que entregam, mas é nítido que, vá lá, esse tipo de empreitada tenha seu público. Vá lá, isto não é errado, mas é sempre muito pobre de se fazer.
Porém O Exterminador do Futuro funciona muito bem por oferecer algo a mais do que uma simples novelização. As cenas e falas icônicas estão lá, contudo também existem algumas pequenas alterações se comparadas com o filme de 1984, permitindo que o livro se desenvolva por si só e seja um fim em si mesmo, não apenas uma reprodução. Nisto, não se desfigura a obra e é agradavelmente espasmódico na tentativa de dar vida própria a ela. E nisso reside elogios a dois elementos diferenciados do livro: a forma narrativa utilizada e à digressão.
No caso do narrador usado por Randall Frakes, na busca de dar uma identidade diferenciada ao livro, ele se utiliza do Narrador-Onisciente (que conhecem seus personagens e seus íntimos, expondo-os ao leitor). Assim, a persona que Frakes dá vida para contar a história é debochada, por vezes um pouco preconceituosa e até mesmo ácida. Essa personalidade dinamiza a obra ao dar um ar blasé ao se referir a vários personagens e seus destinos na história, porém, torna mais contida, ainda que permita uma expansão de pensamento diante de uma narrativa pré-programada.
Ao conseguir entregar uma instigante construção literária, é possível afirmar que Randall Frakes aprofunda algumas camadas. Não apenas há um esboço de crítica social com o consumismo e o paralelo dos excessos do presente com a escassez do futuro apocalíptico, mas também as nuances entre os personagens e boas variáveis ao permitir contrapontos. Se Sarah Connor é a inocência diante desta nova realidade cruel, Kyle Reese é o meio-termo entre fragilidade, lealdade e militarismo. Já o famigerado T-800, graças às escolhas narrativas mais orgânicas, consegue atrair a atenção ao ser retratado não apenas como uma máquina de matar cibernética, mas um ser que precisa se adaptar à sociedade atual para que consiga cumprir sua missão. As dinâmicas funcionam sejam em conjuntos ou individualmente, ajudando inclusive em algumas boas deturpações dos acontecimentos ao variar entre presente e futuro.
Apesar do brilhantismo dado a Sarah Connor e seu crescimento durante a obra, seu desenvolvimento é dividido com Kyle Reese tem uma certa adjacência ao Estoicismo (Filosofia que afirma que nosso tempo é curto e que atitudes devem ser mais válidas do que palavras, entre outros conceitos), enquanto Sarah flerta, inicialmente, com o hedonismo. Ambos são produtos do meio e aos poucos vão saindo desses contextos e evoluindo gradativamente de acordo com o que Randall Frake trabalha.
Digressões e ação
Já as digressões contribuem para alguns desvios que a trama precisa para respirar. Ao apontar novos direcionamentos, a adaptação de O Exterminador do Futuro aprofunda alguns conceitos de trivialidade e pessoalidade de maneira mais macro. Mas esse mesmo fator por vezes se torna pontualmente desnecessário ao colocar personagens sem importância alguma com o mesmo escopo, permitindo maior significância a quem pouco agregava no filme e agregou muito menos na adaptação literária. Esticar a corda em prol do quantitativo, e não do qualitativo, continua um erro de adaptações literárias em geral. E o melhor exemplo disto está logo no início do livro, quando Del Ray Goines, o lixeiro da história, tem toda a sua vida esquadrinhada no livro ao longo de 25 páginas. Apesar de haver um raciocínio interessante no pavor do personagem inicial, o excesso cobra seu preço por personalizar longamente o que menos resolveria.
Nas cenas de ação também há um alongamento descritivo de detalhes e mesmo que sempre sejam muito tensas, há um peso negativo na duração da narrativa. O ar frenético que o livro dá a esses momentos é bem transmitido, mas perde-se um pouco desse elemento em prol da repetição tensional até que ele perca seu efeito. Não é nada que comprometa profundamente, mas é um defeito que está lá e injusto seria se não fosse citado.
Isto posto, O Exterminador do Futuro é um livro que funciona melhor que a média de novelizações na busca de ter vida literata própria, graças à escrita ferina de Randall Frakes. Erra pouco nas hipérboles digressivas, nos alongamentos de outras cenas, mas mantém constância no geral. Traz nuances rápidas, porém bem construídas, de críticas sociais, busca também estar um passo à frente no gênero e por muitas vezes consegue até ser mais profunda do que outras obras ditas “inéditas”. Merece ser lido não apenas por quem já conhece a história, mas também por quem quer literatura que prenda, canse pouco e traga subcamadas interessantes sobre crescimento, dever e, por que não dizer, o amor que floresce diante do apocalipse.