Viagem no tempo e a busca pelo verdadeiro amor dão o tom em Janete
Silas é um septuagenário, que teve a felicidade de encontrar o amor de sua vida. Já na terceira idade, mas o importante é que Janete foi sua companheira perfeita. Por muito pouco tempo, infelizmente, já que ela morreu inesperadamente. Um triste acaso, que qualquer um teria dificuldades em assimilar, ainda mais neste momento mais sensível da existência. Em uma virada fantástica, Silas desmaia em 2018 e acorda em 1988, ganhando assim a chance de passar mais tempo com sua amada, mas o problema é encontrar e aproximar-se de alguém que ele ainda nem conheceu.
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Terceiro livro de Nicolás Irurzun e publicado pela editora Pandorga (de Imperiais de Gran Abuelo), Janete faz os leitores cinéfilos lembrarem de uma obra específica: Peggy Sue, Seu Passado a Espera. Como a protagonista do longa oitentista, Silas tentará modificar o passado, mas também precisa se aclimatar aos ambientes e situações das quais mal se lembrava. O inusitado choque de gerações é um elemento da trama, mas o conjunto não se apoia apenas nesta característica.
O autor explora um detalhe tão interessante quanto importante. Que tipo de pessoas nós somos agora e quão diferentes, de forma sutil ou não, do que éramos há muitos anos? Nosso personagem principal precisa lidar diretamente com essas questões, quando percebe o abismo que existe entre ele e Janete em suas versões bem mais jovens. Haveria chance deste mais do que improvável casal vingar no final da década de 1980, com ambos na casa dos quarenta anos? E é realmente possível modificar aquele presente de 2018? Como nós ao ler o livro, Silas também tenta compreender a lógica deste acontecimento surreal.
Aproveitando essa ambientação em uma década que anda tão comentada e na moda, a nostalgia domina boa parte da narrativa em Janete. Nicolás, nascido em 1972, viveu o período em questão e pode desfiar o rosário de detalhes do contexto com propriedade. E ele o faz, levando os leitores próximos de sua faixa etária em uma viagem no tempo diferente, trazendo a inevitável comparação entre o ontem e hoje, para o bem e para o mal.
Neste quesito em especial, o texto pode ser menos atrativo para os mais novos, sem familiaridade com essas situações. Porém, Os paulistanos que se animarem a acompanhar essa história terão um bônus com a ambientação em São Paulo. As referências à metrópole estão por todo texto, permitindo que a parcela do público que a conhece bem se sinta mais próximo desta narrativa.
O que importa, no entanto, é se a jornada do atrapalhado protagonista nos faz torcer por ele. E faz, pois Silas carrega uma simplicidade sincera, além de uma motivação facilmente identificável. Embora, em determinado momento, apareça algum desafio envolvendo o conhecimento de fatos que ainda não aconteceram, não há um grande paradoxo filosófico super reflexivo, elemento que poderia comprometer o tom geral mais leve. O foco em particularidades mais íntimas e pessoais é um acerto, garantindo o interesse ao longo das 144 páginas.
Um conjunto agradável com poucas ressalvas
Janete só derrapa um pouco em diálogos que soam pouco críveis em alguns momentos. O ritmo também é comprometido quando o autor subverte a estrutura de repente, sem que isso denote algum propósito narrativo, assim como algumas grandes coincidências que pouco acrescentam à dinâmica dos dois personagens principais. Em seu fechamento, pontas deixadas em aberto de propósito podem desagradar alguns leitores, mas, a favor do texto, o recado do autor fica claro.
De uma forma ou de outra, parece seguro afirmar que Nicolás Irurzun sabia para onde mirava, acertando neste alvo ao tratar dos inexplicáveis desvios do destino. Não sem abordar também a nossa dificuldade natural em aceitar alguns tipos de adversidades, é claro, mesmo que de uma maneira bem humorada em geral. A vida é uma coisa estranha mesmo, ainda mais quando se trata de amor e dos lugares para onde ele nos leva.