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A Floresta Das Árvores Retorcidas – Um recomeço através dos horrores!

Em A Floresta Das Árvores Retorcidas, Alexandre Callari faz um trabalho genial ao mesclar o clássico com o novo

Alexandre Callari subverte e acerta com A Floresta Das Árvores Retorcidas. Abraçando o bizarro ao mesmo tempo que homenageia e reapresenta H.P. Lovecraft, também entrega uma obra sobre crise da meia-idade e pecados regados à violência.

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Resenha de A Floresta das árvores retorcidas

À sinopse: A história se passa nos anos 90 e traz Adam, um advogado alquebrado que acabou de se mudar para uma cidade do interior em busca de paz e vida nova. Mas para encontrar tudo isto, precisa sobreviver a perigos inimagináveis, ameaças cósmicas e, por que não afirmar, também a si mesmo.

Lançado em 2019 pela editora Pipoca & Nanquim, o livro é um excelente exemplo de como trazer o terror cósmico à realidade do nosso país, desde que se conheça a fundo o material com que se trabalha, mantendo os cânones certos intocados enquanto se abre às novas possibilidades e adicionando uma prosa intimista (que se foca nos aspectos humanos e psicológicos dos personagens) competente.

Usando elementos da Literatura Gótica, a obra é paralelo metafórico à própria vida de Adam, que é um protagonista, de início, propositadamente difícil de se correlacionar. Ele está massacrado pelas próprias decisões e suas consequências, enquanto se comporta algumas vezes de forma prepotente e até mesmo babaca. Ainda martirizado pelos erros que o levaram até a cidadezinha em questão, ele se afunda em resiliência. O autor não demora a destrinchar suas camadas, que a partir de certos momentos, o humanizam, mas não tornam Adam necessariamente aceitável. Como exemplo eu cito, inclusive, um momento de horror hedonista descrito de maneira detalhadíssima, gráfica e de imagética extremamente perturbadora que agrega ao personagem ares doentios.

Interessante notar como esse desvirtuamento, inicialmente tornando o protagonista alguém que flerta com a loucura, é digno dos destinos que acometem os personagens de Lovecraft. Adam tem seu caráter prometeico positivamente comprometido, então ao invés dele começar desafiando a ordem vigente, simplesmente a aceita já de início, e por vezes, se entrega. Desta forma, seja através das Digressões certeiras que o exploram ou das pequenas entrelinhas que aos poucos vão surgindo, ele cresce em estatura até que seja possível a primeira fagulha de identificação (a começar por uma iconoclastia inconsciente) e, por consequência, a torcida para que sua redenção aconteça. Aqui, tentar vencer é o expurgo da própria maldade e também seu autoperdão. Seja como a figura paterna que traumatizou o filho, o medo de seguir os passos do pai suicida, ou a idade dos 40 anos cobrando seu preço no moral, a evolução é paulatina, porém, visível.

A partir disto, informalmente, é possível dividir o livro — que é altamente episódico — em duas metades. A primeira onde Adam busca se reerguer e, curiosamente, onde as sequências mais pesadas de gore intenso acontecem, junto com a catarse da violência e suas redescobertas de princípios. Já a segunda metade tem um ar mais apaziguador, com o desenvolvimento dos personagens coadjuvantes acontecendo com maior frequência. Isto é coerente, já que a partir desta parte, há união de um grupo disfuncional de pessoas pelo bem maior, ainda que alguns tenham seus segredos e imperfeições. Assim, Alexandre Callari demonstra sensibilidade ao trazer também elementos mais cotidianos que buscam normatização, mesmo que o autor não tenha aberto totalmente mão do choque visual, do terror e da ação. Na prática, isto não apequena sua escala e transmite-se como uma evolução natural da trama, surpreendendo nas horas certas .

Outro ponto a se elogiar é a escrita consciente do autor, que brinca com a própria metodologia textual. Por exemplo, onde há um Deus Ex Machina (elemento utilizado como saída “milagrosa” e repentina para um grande problema), usa-se de metalinguagem para dizer, e também informar, o que aquilo significa em seu contexto. E dentro do universo proposto de fantasmas, seres fantásticos e entidades Lovecraftinianas, é apenas mais uma bizarrice, afinal, magia não se explica, por vezes é até bem vinda e ansiada pelos personagens. Essa falta de apego pontual com a própria seriedade dá um bom frescor, assim como o humor por vezes é debochado a tal ponto que se uma piada é ruim, isso é apontado pelos personagens em forma de repreenda.

Já as referências dos anos 90 são bem distribuídas e usadas em prol de uma ambientação ou, eventualmente, alívio cômico que funcionam bem e diverte a quem (como eu) cresceu naquele período. Já quem não conhece muito daquela década vai sentir os termos apenas como figuração, sem soar pedante ou poluir o livro. Afora, existem também conceitos referentes a Candyman e Hellraiser (Clive Barker), O Cemitério (Stephen King), A Noite dos Mortos-Vivos (George Romero), Frankenstein (Mary Shelley) e A Assombração Da Casa Da Colina (Shirley Jackson). Existem também diversas menções ao que foi feito por Lovecraft, mas estas deixarei à descoberta do leitor, justamente pela organicidade encaixada na narrativa.

A fidelidade no tratamento das personagens femininas Juliana, Thaís e Amanda à luz dos anos 90 também é bem retratada. O protagonismo delas é deliberadamente errático, mas existe uma presença muito forte de todas sem comprometer a importância intelectual e sentimental das mesmas, ainda que respeitando os meios-termos sociais da época. São ótimas personagens e têm vozes ativas, equilibrando contexto com curiosas e pontuais progressões contra machismo e racismo.

Resenha de A floresta das árvores retorcidas

O autor Alexandre Callari, ao lado de outros lançamentos da editora Pipoca e Nanquim

A cidade sem nome criada por Callari (chamada apenas de Arkham, referência à uma cidade americana citada nos contos de H.P. Lovecraft) também pode ser considerada parte do subgênero de Fantasia Urbana, sendo praticamente um personagem à parte entre situações perturbadoras. Seja na urbe, na Colina do Enforcado, ou na Floresta Das Árvores Retorcidas a presença de todas elas é bem delineada. Há um ótimo espaço geográfico e narrativo que distribui essa tríade, assim como auxilia na aclimatação do horror e seus seres estranhos. Até mesmo a escolha do vilão principal tanto engrandece o Clímax numa região tomada pelo mal, como metaforiza algumas questões de Adam.

O livro escorrega apenas em pequenos e discretos roteirismos, mas que podem ser relevados com um pouco da Suspensão de Descrença. Algumas boas ideias também são largadas no meio do caminho, mas desta última, há uma certa impressão de possíveis subversões temáticas, ficando à interpretação do leitor mais atento.

Edição Física

A edição física é editorialmente esplendorosa. Capa dura estilo pulp belissimamente criada por Giovanna Cianelli e ilustrações internas pesadíssimas do talentoso Doug Firmino. Os cortes superiores, inferiores e dianteiros das páginas são na cor vermelha e acompanha marca-páginas em fita de cetim verde embutida. Acompanha também um posfácio do autor que conta um pouco das próprias referências para suas inspirações literárias na obra e faz um bom relato de parte da vida de H.P. Lovecraft e o quanto influenciou outros autores de sua época. Foram encontrados dois erros de digitação (págs. 283 e 287)

Isto posto, A Floresta Das Árvores Retorcidas é um livro impressionante que faz muito bem à literatura nacional de horror. É extremamente bem escrito e diligenciado, deixando o leitor ávido por mais antes mesmo que o termine. Alexandre Callari coloca o pé no acelerador e não tem medo de ousar ao seguir direções inesperadas e controversas que não poupam homens, mulheres ou crianças. É uma história que assusta, horroriza e causa reflexão, como todas as ótimas obras do gênero deveriam ser.

 

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