Que a tecnologia é uma coisa boa, com todas as evidentes comodidades proporcionadas por ela, ninguém discute. O problema, evidentemente, é quando seu uso se torna patológico e impede o indivíduo de conectar-se de verdade com outras pessoas. Talvez você já tenha tentado manter um diálogo com alguém que se recusava a parar de olhar para o smartphone, então sabe muito bem do que estou falando. Enfim, essa discussão já não é novidade há algum tempo, mas sempre pode render uma ficção científica legal. Homem-Máquina (Machine Man), publicado aqui pela editora Intrínseca, vai por esse caminho, mas não se aprofunda como poderia e se torna, no máximo, um passatempo aceitável.
O australiano Max Barry criou sua alegoria, seu quarto romance e lançado originalmente em 2011, a partir de uma experiência interativa de divulgação de seu trabalho. Publicando uma página por dia em seu site, ele criou a versão final impressa incorporando os comentários e sugestões de seus leitores. A história é bastante simples, na verdade. Charles Neumann é um engenheiro bem sucedido, porém um completo desastre socialmente. Com a narração em primeira pessoa, podemos perceber de início que ele não é uma pessoa agradável e, claro, é um usuário compulsivo de tecnologia, perdendo a cabeça por conta da paranoia em torno da perda de seu celular. Sofrendo um acidente de trabalho que lhe custa uma perna, ele enxerga possibilidades de melhorar seu próprio corpo significativamente, falando de forma relativa, mas isso significa livrar-se de outras partes naturais.
A jornada obsessiva de Neumann é assimilada pela própria empresa onde trabalha, a Futuro Melhor, que libera todos os recursos quando percebe o que ele pode realizar, tolerando até mesmo a disposição do engenheiro em substituir o que puder do seu corpo. Você tem dificuldades em aceitar que alguém, por vontade própria, se submeta a algo que o transformará em uma criatura de Frankenstein moderna? Esse é um tipo de absurdo que, dependendo do clima pretendido pela história, poderia funcionar como algo kafkiano e satírico, mas não é essa a pegada que Barry imprime em seu livro. A própria narração do protagonista favoreceria esse tipo de visão, mas não há profundidade ou uma conclusão satisfatória para as questões levantadas no início do texto.
As deficiências gerais do livro, cujo assunto se esgota rapidamente sem um desenvolvimento à altura, mais a falta de apelo de Neumann como personagem principal, são disfarçados de uma forma ingênua. O caso de amor com a especialista em próteses Lola Shanks, cujo passado tem detalhes convenientes para forçar uma atração entre eles, e o “arco dramático” do segurança Carl estão lá apenas para aumentar a quantidade de informações e encorpar o livro. Tudo isso ainda culmina em um clímax digno de um filme de Michael Bay. Este seria o cineasta perfeito para comandar uma adaptação de Homem-Máquina.
Irônico lembrar de Michael Bay ao falar do derradeiro ato do livro. Para um desavisado mais chegado à Sétima Arte, uma sinopse geral pode trazer uma vaga lembrança de David Cronenberg. Também evoca algo do Robocop de Paul Verhoeven e do seu remake, que, apesar de tudo, ainda trouxe alguns conceitos pertinentes à nossa situação atual. Esqueça tudo isso e espere apenas uma diversão rápida e fugaz, caso tenha interesse em conferi-lo.
Mesmo com um assunto interessante nas mãos, que não dá sinais de se esgotar tão cedo, Max Barry preferiu investir muito pouco nos aspectos mais filosóficos da ficção científica, entregando uma narrativa que é dinâmica no fluxo dos acontecimentos, ainda que estes também pequem pela pouca substância dramática. No fim das contas, Homem-Máquina é aquele livro que você pode levar para a praia, preparando-se para aquela chuva inesperada. Melhor do que ficar mexendo no celular o dia inteiro.