Como uma corrente, a ideia de eletricidade permeia a história da literatura a partir do século XVIII
Mark Twain a associou com o sentimento de surpresa. DH Lawrence pensou que ela conseguiu ajudar a explicar todo tipo de relação interpessoal, daquelas que conectam crianças a seus pais e daquelas que conectam amantes apaixonados. Para a escritora do romantismo americano Margaret Fuller, era parte constituinte do “gênio especial das mulheres”. E para James Joyce, ela caracterizava os agradáveis efeitos do vinho branco.
Qual é esse objeto comum aqui? A mola impulsora da modernidade, o elemento sem o qual os séculos XX e XXI jamais teriam vindo a existir: a eletricidade.
Desde seu auge como objeto da curiosidade e investigação científica ainda nos séculos XVIII e XIX, a eletricidade têm servido a escritores como uma rica fonte de metáforas, analogias e objeto temático. Durante esse auge, ela também era a peça central de demonstrações populares, que tinham como objetivo educar, mas também impressionar e assombrar.
Mais tarde, a eletricidade se tornou mais familiar, conforme uma série de desenvolvimentos tecnológicos trazidos às fábricas, escritórios, espaços públicos e, em última instância, para os lares das pessoas. Era percebida tanto como uma propriedade dos corpos, como uma energia que movimentava grandes máquinas.
Escritores criavam sobre ela, adequadamente, para evocar tanto as experiências mais extremas como também as experiências mais cotidianas. E a maneira como eles fizeram isso nos diz muito sobre a história da própria eletricidade.
Reanimando sapos
O primeiro dispositivo capaz de armazenar eletricidade e libera-la, a garrafa de Leiden (inventada por duas partes independentes em 1745 e 1746), foi evocada por Herman Melville em seu clássico Moby Dick, quando o Capitão Ahab gasta “a garrafa de Leiden de sua própria vida magnética”. Em outro ponto do livro, Melville faz alusão aos experimentos nos quais garrafas de Leiden foram usadas para conduzir correntes de eletricidade por grupos inteiros de pessoas dando as mãos.
A descoberta de Luigi Galvani de que a eletricidade poderia reanimar as partes desmembradas de sapos permeia quase toda a literatura do século XIX, assim como nas recorrentes referências de Charles Dickens aos ajustes “galvânicos” de seus personagens. Aqui, a atmosfera das primordiais demonstrações públicas da eletricidade é quase palpável.
Também é razoável afirmar que Galvani seja responsável por aquela que talvez seja a evocação literária sobre a eletricidade mais famosa da história da literatura, no Frankenstein de Mary Shelley (1818, revisado em 1831). De fato, referências a eletricidade aqui são fugazes e oblíquas; porém, o prefácio do romance deixa restar poucas dúvidas sobre se foi realmente a pesquisa de Galvani (e de outros associados a ele) que inspirou o conceito mais emblemático do livro, de acordo com o qual partes reunidas de corpos humanos podem ser “dotadas de acalento (energia; warmth, no original) vital”.
Sexitricidade
Na literatura subsequente, são costumeiramente pessoas vivas que são “dotadas” com “energia” desse jeito – e, habitualmente, não com aparatos artificiais, mas uma pela outra. Isso reflete a maneira como a eletricidade era progressivamente vista como penetrante, quase onipresente, mais do que algo frívolo, de momento, fabricado para gerar efeitos sensoriais.
Quando o poeta americano Walt Whitman recita “o corpo elétrico (the body electric)”, por exemplo, ele não está pensando em intensos cientistas trabalhando incansavelmente em laboratórios ocultos. Muito menos em garrafas de Leiden. Ele está pensando em todas as maneiras em que corpos podem se desfrutar, simplesmente porque eles estão vivos. Particularmente, ele está pensando em sexo.
E assim também é para um dos mais insistentes clamores da imaginação do século XIX: a perceptível ligação entre eletricidade e sexualidade. Os pensamentos de DH Lawrence sobre o amor, citada no início do artigo, fala sobre isso, também indicando uma extensão dessa linha de pensamento para além do próprio século XIX.
Em O Arco-Íris (1915), um dos personagens masculinos de Lawrence percebe a si mesmo em um “estado elétrico de paixão” por uma mulher. Em Mulheres Apaixonadas, romance subsequente de 1920, a atração provocada por outro homem é atribuída ao de fato de ele ser “capaz de emanar uma espécie de energia elétrica”.
Mas é em um manuscrito que Lawrence escreveu entre a publicação desses romances – mas optou por não publicar, talvez por medo da censura ou de algo ainda pior – que suas ideias sobre essas linhas tomam um rumo mais… audacioso.
Escrevendo sobre Whitman, cuja homossexualidade era bastante conhecida já naquele período, se não abertamente reconhecida, Lawrence argumenta que o sexo entre homens tem um imperativo “elétrico”. Que os “circuitos” formados quando homens fazem sexo,, diz ele, não são nem mais, nem menos naturais do que aqueles formados pelo sexo entre homem e mulher. Em ambas as instâncias, ele afirma, há a “mesma imediata conexão”.
Circuitos literários
Essas alegações levam então – finalmente – ao que é claramente o segundo maior estímulo ao interesse literário na eletricidade: a ascensão dos “circuitos” na forma de novas tecnologias elétricas. Mas foi nas tecnologias de comunicação elétricas que encontramos os efeitos mais penetrantes na literatura, começando com o telégrafo elétrico, em operação a partir de 1840 em diante.
Em Os Bostonianos, de Henry James, ele manda os “sensores elétricos (electric feelers)”, através de Nova York, espalhando as notícias e propagandas. Incidentalmente, um dos personagens do romance considera “a missão da humanidade na Terra como uma perpétua evolução de telegramas”.
E em Alice Através do Espelho (1871), a protagonista de Lewis Carroll fica alarmada com a possibilidade de ser enviada como um telegrama. Seu sobressalto é uma expressão oblíqua de uma cultura em que mandar e receber telegramas se tornou algo compulsivo – um vício a ser sustentado, muito provavelmente a qualquer custo. Escritores perceberam isso, também porque eles foram parte disso. Eles, de forma bastante liberal, polvilharam seus trabalhos com referências a comunicações elétricas; porque esses trabalhos eram, fundamentalmente, uma forma de comunicar pessoas sobre esse tempo.
Se tudo isso soa familiar, é porque muitas de nossas mais recentes e modernas tecnologias de comunicação descendem diretamente do telégrafo, e posteriores aparelhos elétricos do século XIX, tal qual o telefone. Mandar uma mensagem de Whatsapp é, efetivamente, como mandar um telegrama sem ter que visitar o correio. Olhe os ícones relacionados a enviar ou escrever mensagens em qualquer dispositivo que você use, PC’s ou celulares – você encontrará uma pequena carta, esperando ser preenchida.
Nós podemos pensar hoje nós vimos o advento da informação envelhecer no nosso tempo de vida, mas como James e Carroll particularmente nos demonstram, nós não estamos tão longe assim do que os escritores do século XIX pensavam de si mesmos.
Porque nós sabemos o que você faria se a energia elétrica da sua casa acabasse agora, amigo leitor – muito provavelmente, nada. Literalmente e literariamente, nada.
Esse artigo foi inspirado no jornal Independent, da Inglaterra!