Iain Reid apresenta o medo em Eu Estou Pensando Em Acabar Com Tudo
Muitos são os livros que se aventuram no terror psicológico, poucos os que realmente assustam, menos ainda os que instigam com profundidade e muito raramente são os que se apresentam com elementos sólidos e fundamentados para uma releitura com sabor de novidade. Eis o belo trabalho de Iain Reid no thriller Eu Estou Pensando Em Acabar Com Tudo.
Habitualmente, à sinopse: Jake está fazendo uma pequena viagem com sua namorada para que ela conheça seus pais. A relação está boa, eles se entendem, mas há algo que a inquieta. Ela não quer estar ali, nem mesmo conhecer a família do homem que está com ela. E isso é motivo para que deseje imensamente terminar aquela relação enquanto segredos vêm à tona.
Eu Estou Pensando Em Acabar Com Tudo foi lançado em 2017 pelo selo Fábrica 231, da Editora Rocco e contém 224 páginas.
O termo “mistério” provém de algo oculto que precisa ser desvendado ou que, em contrapartida, jamais será conhecido. Falar de uma palavra tão intensa como essa pode parecer parco, mas é essencial para que se entenda a proposta de Reid, que se mostra simplista de início, porém vai complexando de acordo com o decorrer da leitura. Ele brinca com ambas as motivações ditas no início deste parágrafo: o desejo de saber e o eternamente encoberto, mas com toques profundos que revela mais do que a psique da Protagonista (sem nome), mas com as excentricidades de seu namorado.
Usado em tom confessional, a narrativa em primeira pessoa é quase um pequeno diário de sensações que varia os capítulos entre o que a Protagonista tem a dizer e um assassinato ocorrido. É possível ler o livro em si de duas maneiras diferentes, mas para isso, seria sim, necessária uma releitura, que consegue dar um tom completamente diferente. Falaremos um pouco disso adiante.
É possível ver as nuances de uma escrita galgada no Naturalismo com suas características: defeitos, fundamentações psicológicas, ainda que exista outro ponto importante aqui apresentado, mas que precisa ser diluído de uma maneira filosófica, que é falta de afinidade da Protagonista com seu lugar dentro da história. A explicar: O Naturalismo é focado na persona e características, sejam boas ou ruins. Há nisto toda uma aura marxista sobre a diminuição dos personagens e sua humanização, algo que o Romantismo, em sua essência, por ser uma leitura mais voltada para a burguesia abastada, centralizava em temas menos “realistas”, como obras de fantasia, ainda que, obviamente, com toda profundidade característica da tendência literária. É nisto que Eu Estou Pensando Em Acabar Com Tudo se foca, no Naturalismo intrínseco, porém, com devaneios romantistas sobre a grandeza, ainda que deturpada.
A obra de Iain Reid é completamente focada em um relacionamento obsessivo e de suas entrelinhas. O desdém, o sentimentalismo e suas nuances, assim como uma inviabilidade de libertação, seja do homem ou da mulher, diante do que se é e se limita. Parece confuso à primeira vista, mas é esta a exata intenção do autor: colocá-lo num lugar de fala que pode não ser o dele, mas que o fará sentir como é estar onde está e fazer com que se pense diferente. E isto funciona? Sim. A filosofia das conversas entre a Protagonista e Jake, a epopeia metafórica da personagem principal ao estar na casa do namorado, uma tensão crescente e as descobertas que ela faz sobre ele. Tudo isso funciona na intenção de instigar, agoniar e incomodar. Há sim o desejo intrínseco em desvendar, junto da Protagonista, um mistério maior. A grande questão da história é se isso é devido.
Aí sim, há a grande sacada que Reid se permite: Transformar o leitor numa espécie de testemunha ocular da desgraça, do pessimismo e da melancolia, podendo, inclusive, afastar os descompromissados com um livro massacrante sob o ponto de vista moral, mas exaltado diante de toda a sua mensagem. Essa “polêmica” é válida e importantíssima para que a história ande e leve onde o autor necessita, até porque a questão é abordada de maneira eficaz em seu geral.
Desta forma, cada lugar visitado pelo casal, cada conversa, cada entrelinha e cada momento no carro é uma pequena peça do quebra-cabeça que se apresenta de forma até bem dinâmica. Normalmente tramas assim são intrincadas, mas a simplicidade que aqui se faz é bem-vinda. E ainda que, em uma leitura atenta, seja possível decifrar o grande mistério com muitas páginas de antecedência, esta é uma ideia que se renova numa possível – eu diria que é até obrigatória – releitura. Falar mais do que isso seria um erro, este texto é livre de spoilers, cita-se apenas que o Existencialismo precisa ser registrado. É um elemento que grita, persegue e angustia. Cabe ao leitor aventurar-se no resto e compreender onde começa um ponto e se inicia o outro, mais autofágico, impossível.
E finalmente, o terror. É pontual e está muito mais registrado no pós-leitura do que no ante. É este sentimento que traz o senso de pavor: Saber que o perigo é tão próximo, porém, de uma maneira tão intimista e transgressora que é impossível não falar da toxicidade do ser humano, porém, visitada em seu sentimento mais básico: a solidão. E isto basta para não entregar detalhes demais.
Profundo, mas nem sempre eficaz
Obviamente, um livro curto, mas com porte intenso como este tem lá seus pequenos defeitos de ordem narrativa. As conversas de Jake são, muitas vezes, tão profundas que quase se desfocam e, inadvertidamente, cansam. É evidente que Reid tenta transformá-lo numa voz que tem algo a dizer, mas fica claro que o autor, não tem domínio pleno sobre tudo o que ele fala, perdendo, eventualmente, mas evidentemente, o controle sobre o personagem. Alguns pontos, então, acabam carecendo de um pouco mais de dialética, tornando determinadas páginas pesadas no sentido lúdico. Não há um jeito melhor de dizer isto: Jake, muitas vezes, parece um ET, mesmo que seja por um autor que erra a mão, ou que não comprometa de maneira determinante o produto final. Mas se há o desgaste do leitor pela estranheza, há o alívio em seguida pois a Protagonista, esta sim, consegue trazer humanidade que importa e é a partir do ponto de vista dela que a intimidade se expande.
Isto posto, Eu Estou Pensando Em Acabar Com Tudo é um livro que demanda atenção, empatia e inspiração do leitor. Não existe, em suas páginas, a menor intenção em ser massificado, mas em sua essência, grita para ser entendido. Os personagens têm funções específicas e as alcançam sem apelar para o grafismo ou o básico. Torna, propositalmente, tudo muito pior ao seu final e não há a menor vergonha disso. Iain Reid, apesar de imperfeito, sabe para onde vai e como chegar, numa escrita versátil e empolgada. Ele realmente abraça o texto e o faz muito bem, gabaritando sua história a um bom alento em um gênero que eventualmente soa mais do mesmo. Uma obra delimitada pelo terror interno e pelo que pode fazer – e faz – ao leitor. E uma obra que permanece mesmo após seu final é uma obra que merece ser respeitada.