Documentário Brasileiro: 100 Filmes Essenciais já diz tudo em seu título
Há quem diga que o Brasil é o país do documentário. Talvez não seja um título certo para essa nossa terra natal, mas não há dúvida que nosso cinema já presenteou o mundo com exemplares incríveis deste gênero. Entre os anos de 2000 e 2010, houve um crescimento significativo de documentários produzidos no país. Mas, mais que crescer, nossos filmes amadureceram. No entanto, por onde começar a descoberta do documentário brasileiro, caso o prezado leitor ainda seja novato na degustação destes filmes?
Depois de lançar 100 Melhores Filmes Brasileiros, em parceria com o Canal Brasil e a editora Letramento, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) reuniu seus integrantes para traçar um panorama das produções documentais desde os primórdios do nosso cinema até os tempos atuais. Documentário Brasileiro: 100 Filmes Essenciais já nasce obrigatório não apenas para quem quer entender o nosso cinema, mas também a nossa política e o nosso povo. Óbvio que, como toda lista, a controvérsia é certeira e sempre haverá quem diga que houve faltas ou valorizações errôneas dentre os escolhidos. Pois bem, o nome já diz tudo: é o essencial e nada impede que também seja uma porta de entrada para a descoberta de outros tantos realizadores.
Em primeiríssimo lugar, está Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho, que ainda conta com outros quatro filmes na lista, os ótimos Jogo de Cena, Moscou, As Canções e Edifício Master. Também pudera, pois Coutinho, falecido em 2014, é um dos mais importantes documentarista mundiais, sempre subvertendo regras e presenteando o público com um olhar único e personagens inesquecíveis. Mas espera aí: personagens não são coisas da ficção? Devolvo a pergunta: e quem disse que documentário não é ficção?
Antes de mais nada, isso não é uma provocação, mas um convite que o livro faz para uma troca de ideias. Além de listar e discorrer sobre os 100 documentários essenciais, os integrantes da Abraccine também prepararam vinte textos que discutem questões como a representatividade feminina e negra, a criatividade e a importância de nomes como João Moreira Salles, Andrea Tonacci, Sílvio Tendler e Carlos Nader, as origens e também as possibilidades dos documentários.
Ficção X Realidade
Pode causar certa estranheza para alguns a presença de filmes como Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós, uma das ótimas surpresas cinematográficas de 2014. A união de ficção-científica com um dos acontecimentos mais violentos da periferia do Distrito Federal, ocorrido nos anos 1980, onde a polícia invadiu uma festa e gritou a ameaçadora frase que dá nome ao filme. A crítica social tem uma intensidade redobrada com a presença dos elementos de ficção que Queirós introduz com um humor ácido sem igual.
O flerte do documentário com a ficção não é novidade. Alguns autores, inclusive, levantam a bandeira de que o documentário não existe, já que, a partir do momento em que se liga uma câmera, já não estamos mais registrando a realidade. Basta ver o fascínio que os reality shows provocam. Gostamos de olhar pelo buraco da fechadura. Só que do lado de lá da porta tem alguém que também gosta de ser observado e que pode muito bem medir seus atos diante do voyeur.
Realidade ou não, o que realmente importa é que nossos documentaristas realizam obras incríveis e que tocam nossas almas. Se achar as respostas para nossa realidade tão complexa já é difícil, imagine querer responder onde mora o real dentro de um filme. Como diria Coutinho, filme bom provoca dúvidas. Há 100 deles esperando você na livraria mais próxima, com um acabamento editorial editorial caprichado e capa dura, inclusive.