Biografia de Will Eisner faz um raio-X da indústria e mapeia a evolução da mídia
Qualquer admirador de verdade das Histórias em Quadrinhos já passou por isso. O desconforto com a indiferença, o desdém e a falta de informação de quem subestima o potencial ou denigre esta forma de arte é algo que já tivemos que encarar em algum momento. Se hoje ainda é difícil argumentar com algumas pessoas, imagine-se no fim da década de 1930, quando nem os profissionais da área davam valor às HQ’s. Felizmente, uma das exceções à regra daquele contexto chamava-se Will Eisner.
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Escrita por Michael Schumacher, a biografia Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos (Will Eisner: A Dreamer’s Life In Comics) foi lançada originalmente em 2010, chegando ao Brasil pela Biblioteca Azul, selo da Globo Livros, cerca de três anos depois. Mesmo quem já se considera um conhecedor razoável desta trajetória tem a ganhar com a leitura. Não apenas pela carga de detalhes entre os mais ou menos conhecidos, mas pela exposição honesta de alguns pontos de vista muito relevantes em matéria de Quadrinhos.
Começando, obviamente, pelos episódios da juventude envolvendo a pobreza e antissemitismo, que renderam material para os álbuns consagrados, Schumacher nos traz, em essência, um relato sobre uma batalha pelo reconhecimento artístico da mídia HQ. É claro que, além do talento, esse empenho de Eisner o torna imensamente simpático ao público potencial da biografia. No entanto, não se apoia no recurso fácil de pregar para convertidos, preocupando-se também com a formação dos alicerces da grande indústria no período conhecido como Era de Ouro, inaugurado pelo surgimento do Superman em 1938.
Nosso biografado já tinha estrada quando isso aconteceu, sendo testemunha e participante de todo o processo. Sua famosa falta de interesse pelos super-heróis, mais o profissionalismo que o levou a envolver-se com a onda, são ganchos que levam a assuntos que valorizam o livro. O legado do artista/roteirista é absolutamente inegável, mas seu biógrafo não se furta de comentar eventos pouco favoráveis. A criação encomendada do Wonder Man e o consequente imbróglio jurídico por ser um plágio do kryptoniano, onde Eisner deu um polêmico depoimento, é exposto sem cerimônias, ainda que com o devido respeito.
Sobre esse período em questão, Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos é um livro que interessa bastante ao leitor que se deleitou com Homens do Amanhã, de Gerard Jones, servindo como um belo complemento. As engrenagens sórdidas de um ramo comandado por gente pouco respeitável, com artistas talentosíssimos tentando sobreviver em meio à Depressão, são palpáveis. Michael Schumacher faz justiça à figura do criador de The Spirit, deixando devidamente claro o que o destacava entre tantos.
O lado empresário e o verdadeiro valor dos Quadrinhos
Outro ponto importante diz respeito a características que algumas pessoas podem achar incompatíveis a um artista. Will Eisner sempre exercitou seu lado empresário com a mesma desenvoltura que apresentava na prancheta, mostrando que havia aprendido bastante com sua vivência na Era de Ouro. É fascinante como isso, inclusive, o levou a um território inexplorado até então, como a utilização didática dos Quadrinhos, sempre atuando através das empresas que ele mesmo fundava.
É claro que esse tino comercial, vez por outra, rendia momentos embaraçosos, que uma das partes poderia facilmente considerar como traição. Mais um fator positivo para que o enxerguemos como ser humano, além da aura de Mestre a qual já nos acostumamos enquanto leitores de seus álbuns. Essa faceta não atrapalhava ou contrastava com o esforço constante como divulgador de uma linguagem que precisava ainda se firmar como respeitável.
Uma fonte de pesquisa inestimável
Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos tem cerca de 400 páginas de informações sem rodeios. Além do biografado, inúmeros outros grandes nomes dos Quadrinhos também são citados para criar um panorama desta jornada da pessoa e da arte pela qual fez tanto em termos de divulgação. Preferindo provocar um juízo espontâneo em seu leitor, Schumacher evita meras afirmações ou negações do que alguns aceitam hoje como verdade. Entre eles, o conceito de graphic novel e o papel do mítico álbum Um Contrato Com Deus nesta saga.
Além de estimular discussões sadias sobre esse e outros tópicos mais complexos, outros fatos bem menos conhecidos, como as primeiras tentativas de adaptar sua criação mais famosa, The Spirit, tornam a leitura ainda mais divertida. O envolvimento de um cineasta famoso, a animação que não passou da fase de teste e um descartável piloto para TV são curiosidades que enriquecem a obra como um todo.
Sob medida para figurar nas estantes dos fãs, ao lado de Marvel Comics: A História Secreta (também tema de um podcast), o já citado Homens do Amanhã, Jack Kirby: O Criador de Deuses e o romance As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay, assunto também abordado na biografia, Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos é imperdível. Os erros pontuais da revisão, felizmente, não atrapalham a experiência.
Tributo a um grande gênio criativo, desperta a vontade de reler todas as obras do Mestre e apresentar o fascinante mundo da Nona Arte para o maior número de pessoas possível.
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