Um clássico do Master System em sua época, Wonder Boy ganha um remake indigno da nossa memória afetiva
Produzido originalmente em 1989 pela Westone Bit Entretainment e distribuído pela Sega, Wonder Boy III: The Dragon’s Trap foi um clássico do Master System, conhecido e adorado pela maioria dos donos do console. O carismático personagem, que já protagonizou de platformers tradicionais a action RPGs como esse, nunca foi esquecido pelos fãs, e seu retorno em HD aos consoles da atual geração, ainda mais numa época em que jogos 2D tem reconquistado popularidade, era questão de tempo.
Antes mesmo de adquirir o titulo, sua incrível beleza me causou o primeiro impacto. A francesa Lizardcube, responsável pelo remake, não mediu esforços para tornar o trabalho de remodelagem tão único a ponto de tomar a frente em qualquer discussão ou análise desse lançamento. E para tornar o contraste ainda mais impressionante, ao mesmo tempo em que mexe com a nostalgia dos que jogaram a primeira versão, é possível reviver tanto os gráficos quanto a trilha sonora original em 8 bits com apenas um toque no joystick, sem necessidade de menus.
Esse recurso leva o jogador a brincar com a comparação a cada novo elemento que encontra, seja uma fase, loja, chefe ou novos inimigos, e a cada bela surpresa exaltar ainda mais a equipe. Não se trata apenas de uma simples modernização dos sprites como as que temos visto tão frequentemente. O esforço aqui consistiu em recriar todo o jogo através da tecnologia de engenharia reversa para então elaborar um estilo artístico próprio, com maravilhosos gráficos desenhados a mão.
Acontece que, por mais que o resultado visual seja marcante a ponto de nenhum elogio parecer suficiente para expressar o patamar de qualidade atingido, a empresa parece ter empregado toda sua criatividade nesse único aspecto e, embora apresente seu trabalho como um remake, não oferece nenhum elemento surpresa ou inovação em termos de gameplay que o justifique dessa forma.
Ao começar o jogo é possível escolher entre o protagonista clássico, Wonder Boy e sua versão feminina, a Wonder Girl. É curioso perceber que essa é a única novidade real oferecida no remake e que, fora a skin, ela não adiciona nada a experiência. Ambos andam e pulam na mesma altura e velocidade, usam as mesmas espadas e armaduras a venda nas lojas, e armas secundárias que encontramos conforme o jogo avança.
Essas armas, assim como o design das fases, conferem ao título um estilo muito semelhante ao da franquia Castlevania, onde itens especiais tem seu uso limitado a administração de algumas unidades, e é preciso explorar constantemente os mesmos cenários conforme se adquirem novas habilidades, afim de desbloquear novas habilidades e áreas secretas.
Por mais que essa fórmula pareça ser imune a possibilidade de ficar datada, há no jogo uma série de elementos que poderiam ter sido melhor adaptados para oferecer uma jornada mais interessante e, principalmente, fluida.
Velhos padrões não significam sucesso
Já nos primeiros minutos temos nosso primeiro contato com um boss: O dragão que irá nos amaldiçoar e roubar a forma humana. Durante o combate, embora os comandos de ataque respondam muito bem, pude perceber que cada contato com o inimigo me jogava para trás com a força de três hits seguidos, impedindo que eu recuperasse o controle do personagem, de forma a retomar minha estratégia antes do fim do curto tempo de invencibilidade.
Esse padrão de dano, que se repete em todos os inimigos com maior ou menor intensidade em função de sua força, foi totalmente reaproveitado do original do Master System. Da mesma forma, o jogo não conta com checkpoints, e a cada morte nosso personagem renasce na cidade central do jogo com o valor que tinha em dinheiro, mas sem as armas secundárias, tendo que percorrer novamente todo caminho ao longo das fases (que não são curtas) até retomar seu progresso.
Sabemos que os defensores de altos padrões de dificuldade tendem a se contorcer aqui, porém não se trata de um apelo para facilitar os jogos, mas sim dinamiza-los. A necessidade de percorrer dezenas de vezes os mesmos cenários e confrontar os mesmo inimigos com movimentação ensaiada, rapidamente deixa de causar o efeito de desafio para se tornar entediante.
A variedade é pouca, já que não há adições em relação ao original, e os mesmos adversários aparecem inclusive em fases diferentes ao longo do jogo. Além disso, o antigo padrão de dano, onde alguns monstros quase não afetam o protagonista, enquanto outros dão hit kill, era uma necessidade da época, quando a pouca memória dos cartuchos impelia os desenvolvedores a se valer dos sucessivos fracassos do jogador para aumentar a vida útil de seus produtos.
Esse artifício, cujas motivações eram puramente financeiras, foi especialmente bem sucedido para nos fazer gastar fichas nos Arcades, que coincidentemente – ou não – foram o berço da franquia Wonder Boy. Passado esse momento da indústria, e tendo a mão recursos capazes de criar novos padrões de desafio mais inteligentes e complexos, sem romper o vínculo com o feeling da franquia, reutiliza-lo soa apenas preguiçoso. Especialmente quando estamos falando de um título que se apresenta como inteiramente refeito.
Nem tudo se perde
Ainda assim, por se tratar de um dos melhores games de sua época, muitas das mecânicas se mostram surpreendentemente atuais, mesmo intocadas. A cada chefe derrotado por exemplo, nosso personagem se transforma num animal diferente, cujas peculiaridades são suficientes para renovar por completo a jogabilidade, ao destacar habilidades e fraquezas totalmente diversas. O rato, por exemplo pode escalar um tipo especial de piso para desbloquear novas fases e achar segredos retornando as já visitadas, enquanto o dragão é o único a descartar as armas tradicionais, atacando com cuspes de fogo e sem a defesa do escudo.
E conforme as possibilidades aumentam, a escolha de qual forma usar para buscar itens chave para o progresso transforma-se num puzzle bastante intrincado em alguns momentos, mas que jamais perde a coerência nem vira “adivinhação”- como acontecia em muitos games da época. E caso o jogador ainda encontre dificuldade, o simpático porquinho que aceitava passwords na primeira versão, se encontra agora vestido de cartomante e disposto a ler nossa sorte numa bola de cristal, apontando o melhor caminho a seguir.
Aliás, outro ponto a se elogiar aqui é o roteiro. Embora os diálogos sejam poucos e em sua maioria partam dos NPCs que vendem serviços, cada fala é bastante divertida e atual, contendo piadas e até comparações que quase sempre irão tirar sorrisos do jogador, mesmo que esse não entenda as referências.
Tal versatilidade, embora limitada em comparação com precursores como Castlevania e Metroid, é mais que suficiente para sustentar as aproximadamente 6 horas de gameplay oferecidas.Tempo esse que não contabiliza suas mortes, claro.
Contando com um trabalho artístico primoroso, a ponto de alguns ambientes serem tão bem planejados que desejamos evitar a luta para contemplar sua harmonia, Wonder Boy: The Dragon’s Trap tende a chamar a atenção de um público que talvez não esteja preparado para ele. Por baixo da “fofura” inicial, esconde-se um gameplay um tanto árido e cansativo em alguns momentos.
Mais que difícil, o combate do jogo é lento, e falha em oferecer o dinamismo ao qual nossa geração está habituada. Caso fosse apenas um remaster, todos os pontos fracos antes citados concentrariam a força do game por eternizar em sua essência um clássico dessa importância em tão bela roupagem. Porém, como remake, ele não entrega o mínimo de evolução esperada, e o resultado é mais um entre tantos jogos presos na bolha de nostalgia que parte da indústria tem cultivado nos últimos anos.