Experiência em realidade virtual visa preencher os espaços deixados pela obra e atualizar a experiência literária
Estudantes estão desenvolvendo um jogo em realidade virtual – tema que já exploramos anteriomente – baseado no imponente tomo escrito por James Joyce, Ulysses, como parte de um projeto para o Boston College.
Chamado de Joycestick (um belo trocadilho, por sinal), o objetivo do projeto é expor para novas audiências os trabalhos de um dos autores irlandeses mais celebrados da história, assim como oferecer um vislumbre de como a realidade virtual pode “aumentar” – em todos os sentidos da palavra – a experiência da literatura.
Joseph Nugent, o professor do Boston College que está coordenando o projeto, disse:
“Esta é uma nova maneira de experimentar o poder de uma obra literária. Nós estamos realmente na crista da onda da realidade virtual. Não existem precedentes para nos guiar. O que nós produzimos é oriundo puramente da nossa imaginação.”
Nugent e seus estudantes esperam lançar uma versão do jogo em 16 de Junho em Dublin. Essa data não é aleatória – trata-se do Bloomsday, a celebração anual que a cidade realiza para o autor e a obra. Eles já deram uma amostra do seu progresso em uma conferência acadêmica em Roma, no mês passado.
“Joycestick, de muitas formas, preenche os espaços vazios do romance, pois muitos dos lugares-chave da história ficaram perdidos no tempo, conforme Dublin evoluiu“, disse Enda Duffy, catedrática do English Department da University of California, que testou um protótipo do jogo.
Complementando a experiência da obra
“A versão para VR dessa forma completa o livro“, disse ela. “O torna real. Ulysses é um livro ideal para ser transformado em uma experiência de VR, pois poder-se-ia dizer que Dublin é uma das protagonistas do livro“. Têm havido um certo número de esforços para trazer obras de literatura para o mundo dos jogos através dos anos – incluindo um jogo para PC do Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, que se tornou viral em 2011, após imitar o visual e a pegada de um jogo clássico de Nintendo dos 80.
Mas o projeto do Boston College é único por tentar incorporar a tecnologia de realidade virtual, segundo D. Fox Harrell, um professor de mídia digital no Massachusetts Institute of Technology. Ele está impressionado que os estudantes estejam desafiando um texto tão complexo.
“Isso requer muitos pontos de entrada e vários modos de interpretação, então será fascinante ver como o sistema de VR deles irá se dirigir a esses aspectos do trabalho,” disse Harrell, que ainda não testou o game. Considerado a epítome da literatura moderna dos anos 20 do século passado, Ulysses traça um dia na vida de um cidadão comum de Dublin, chamado Leopold Bloom. O título reflete como o romance estabelece paralelos entre o dia de Bloom e o épico do poeta grego Homero, A Odisséia.
Joycestick não espera ser uma reconstrução objetiva de Ulysses, que em algumas versões se estende por quase 650 páginas, reconhece Evan Otero, um veterano de ciências da computação do Boston College que está ajudando a desenvolver o game. Ao contrário, o jogo permite aos usuários explorar uma série de ambientes-chave descritos no livro, da torre militar onde começa a história até um café em Paris, que é muito relevante para o passado do protagonista.
Mais do que um mero jogo de videogame
Também não é um videogame típico no sentido de haver tarefas para serem cumpridas, inimigos para derrotar ou pontos para juntar, disse Jan van Merkensteijn, um estudante de filosofia e humanidades médicas que tmabém esta envolvido no projeto. Por enquanto, os usuários simplesmente exploram os ambientes virtuais à vontade. Tocar alguns objetos dispara leituras do romance.
O projeto representa uma extensão do que os acadêmicos chamam de “humanidades digitais” (digital humanities), um campo que funde os cursos de artes liberais tradicionais com a tecnologia digital emergente. Nugent ministrou previamente cursos que desenvolveram um aplicativo de smartphone que oferece tours à pé por Dublin, destacando importantes locais de Ulysses e da vida de Joyce.
Lembrando que, de 15 anos para cá, a tecnologia de videogames vem revolucionando o conceito de jogo. Obras como Okami, Heavy Rain, Shadow of the Colossus, Journey e muitos outros, todos lançados para plataformas tradicionais, têm mudado a percepção do público sobre os jogos, colocando muitos comentaristas – incluindo nós mesmos do Formiga – na categoria que defendem que os videogames já atingiram o patamar de arte.
Como sorte, o Joycestick dos alunos do Boston College pode ajudar a consolidar ainda mais esse argumento.